A COP na Amazônia: conflito, contradições e possibilidades

por Rômulo Paes de Sousa

Quem chegou nas primeiras horas da manhã do dia 16 de novembro de 2025 para participar das atividades da COP 30 deparou-se com uma nova orientação para o acesso às dependências da Zona Azul: os interessados deveriam utilizar, para a entrada, a via que havia servido de saída nos dias anteriores. A notícia que corria era de que uma manifestação bloqueava a entrada principal. Sob o sol tropical, nas longas filas que se formaram para o acesso à entrada improvisada, via-se aflição entre as pessoas pelo risco da perda de algum compromisso. Porém, não havia sinais de indignação com o protesto ou desespero nas tentativas de forçar a entrada a qualquer custo no espaço de realização das atividades. Os participantes mostravam compreensão política do contexto vivenciado pela COP na Amazônia e resiliência para enfrentar as consequências da situação inusitada que acontecia na entrada principal.

O bloqueio fora provocado pelos Munduruku. Trata-se de um povo de tradição guerreira, formado por cerca de 33 mil pessoas, das quais aproximadamente metade reside em terras indígenas[1]. Eles dominavam a região do Vale do Tapajós, num percurso que se insinua pelos estados do Pará, Amazonas e Mato Grosso. Atualmente, a maioria de suas aldeias está localizada no rio Cururu, afluente do Tapajós[2]. Hoje, seus combates contra os pariwat (não indígena ou inimigo na língua Munduruku) buscam garantir a integridade de seus territórios, que estão ameaçado pelas atividades ilegais dos garimpos de ouro, pelos projetos hidrelétricos e pela execução de grandes projetos de infraestrutura que ameaçam a natureza e seu modo de vida.

O protesto alterou a agenda dos principais representantes do governo presentes no evento. O embaixador Correa do Lago e Ana Toni, respectivamente presidente e diretora-executiva da COP 30, e as ministras Marina Silva e Sônia Guajajara, do Meio Ambiente e dos Povos Indígenas, receberam os manifestantes, que indicaram sua agenda de protesto. As lideranças indígenas apontaram sua contrariedade com a construção da ferrovia Ferrogrão, que deverá conectar o Pará e o Mato Grosso, ao longo de cerca de mil quilômetros, para baratear a logística de escoamento de grãos, sobretudo, de soja. Caso o traçado previsto se mantenha, haverá grande impacto sobre vários territórios tradicionais, inclusive, de grupos isolados.[3] Posteriormente, os Tupinambá se juntaram a reunião para apresentar a suas reivindicações aos representantes do governo.

A reunião foi considerada positiva tanto pelos representantes do governo quanto pelas representações indígenas. Foi acordado que serão acelerados os processos de demarcação que já se encontram em estágio burocrático mais avançado, como os das Terras Indígenas Sawré Muybu e Sawré Ba’pim, do povo Munduruku. A ministra Marina Silva acrescentou que haverá encaminhamentos a diferentes pastas, como a de Transportes, para responder às demandas apresentadas pelos povos indígenas e, sobre a Ferrogrão, ressaltou que o tema está judicializado, o que impede qualquer avanço no processo de licenciamento ambiental.

Enquanto os protestos ainda aconteciam, o ministro da Saúde do Brasil abriu com tranquilidade uma reunião técnica na Zona Azul, dando o tom de como o governo percebia os protestos e seus desdobramentos: “é assim que funcionam as democracias”. 

A mudança de agenda impediu que o embaixador Correia do Lago recebesse os governadores presentes no encontro, que lhe entregariam uma carta na qual reivindicam uma governança multinível da agenda climática como legado da COP 30. O documento propõe um modelo que integre clima, urbanismo e desenvolvimento regional.[4] Ela viria a ser entregue no dia seguinte por meio digital. Ainda que o texto formulado seja ajustado às boas práticas veiculadas na Conferência, alguns dos grandes problemas da região são justamente a vinculação de muitos dos governos estaduais da Amazônia às ações que exploram de forma não racional os recursos naturais e degradam o meio ambiente. Pelo menos, nessa última sexta-feira ensolarada em Belém, as comunidades indígenas tiveram preferência.

Os atentos observadores dos grandes negócios, cerca de 10% do total de 56.118 participantes da Conferência, segundo a especulação corrente entre os não-lobistas, registrou o momento político como ameaça. A imprensa especializada relataria o fato como incidente político hostil aos negócios na região: “Os manifestantes pedem que o governo brasileiro suspenda todos os projetos de desenvolvimento na Amazônia, incluindo mineração, extração de madeira, perfuração de petróleo e a construção de uma nova ferrovia para o transporte de produtos agrícolas e de mineração.”[5]

A reunião dos representantes do governo com as lideranças indígenas gerou ainda uma foto que pode vir a representar todo o evento. As lentes de Felipe Werneck captaram o momento que André Correia do Lago carrega nos braços um bebê Munduruku.[6] Na internet, viralizaram diversas interpretações sobre o significado dos olhares que se cruzam nessa foto. Para um observador mais isento, há ternura, desigualdade, contradição, surpresa e um brutal sentido de urgência para que a resolução dessas agendas, que são fundamentais para o povo do jovem Munduruku e de outros povos indígenas não mais demore.

Rômulo Paes de Sousa é Coordenador do Centro de Estudos Estratégicos da Fiocruz e Presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco).

[1]https://www.google.com/url?sa=i&source=web&rct=j&url=https://ftp.ibge.gov.br/Censos/Censo_Demografico_2022/Etnias_e_Linguas_Indigenas_principais_caracteristicas_sociodemograficas_Resultados_do_universo/Tabelas_selecionadas/ods/Tabela_selecionada_5.ods%23:~:text%3DTable_content:%2520header:%2520%257C%2520Censo%2520Demogr%25C3%25A1fico%25202022%2520%257C,%257C%2520:%252025.360%2520%257C%2520:%25201.744%2520%257C&ved=2ahUKEwjk1Zm_tfaQAxUwppUCHdTuLrMQ1fkOegQIBBAI&opi=89978449&cd&psig=AOvVaw05LjTC3L1ksUS6YoenzGeL&ust=1763373813189000

[2]https://pib.socioambiental.org/pt/Povo:Munduruku#:~:text=Os%20Munduruku%20têm%20como%20seu,da%20terra%20demarcada%20em%202001.

[3] https://oeco.org.br/noticias/cop30-protestos-de-povos-indigenas-abrem-espaco-para-dialogo-com-liderancas-do-governo/

[4] https://www1.folha.uol.com.br/ambiente/2025/11/governadores-brasileiros-exigem-participacao-ativa-na-cop30-e-enviam-carta-ao-presidente-da-cupula.shtml

[5] https://www.infomoney.com.br/brasil/manifestantes-indigenas-bloqueiam-entrada-da-cupula-climatica-cop30-em-belem/

[6] https://www.fotospublicas.com/acervo/cop-30/presidente-da-cop-30-andre-correa-do-lago-sonia-guajajara-ministra-dos-povos-indigenas-do-brasil-e-a-marina-silva-ministra-de-estado-do-meio-ambiente-e-mudanca-do-clima-do-brasil-participam-de-reuniao-com-pessoas-dos-povos-indigenas-da-cop30

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