
A 30ª Conferência do Clima, a COP30, que será realizada em novembro em Belém (Pará), trará ao Brasil delegações de centenas de países que debaterão soluções para a crise climática.
Ainda subestimados por muitos, os inúmeros problemas decorrentes de ações humanas que destroem o meio ambiente colocando em risco a própria vida das pessoas no planeta são o principal desafio de governos, cientistas, povos originários e empresários.
Em entrevista exclusiva a Andrea Penna para o Monitor Mercantil, Hermano Castro sintetiza o problema de forma enfática: a crise climática é uma crise de modelo civilizatório. Ele é médico e pesquisador titular da Fiocruz no Centro de Estudos da Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana (CESTEH) da ENSP/Fiocruz, vice-presidente de Ambiente, Atenção e Promoção da Saúde (VPAAPS) da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) (período 2021-2025) e diretor da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca (ENSP), Fiocruz (período 2013-2021).
Qual a importância da COP30?
A COP30 não é mais uma simples conferência. Certamente iremos além da COP30. É talvez a última chance de operacionalizar, com justiça, o que a ciência já nos mostrou. Será a COP da Amazônia, o bioma que é central para o equilíbrio climático global. A importância reside em que ela acontece no território onde a crise climática se manifesta de forma mais brutal e onde as soluções baseadas na natureza e nos povos tradicionais são uma realidade.
As últimas três COPs foram realizadas em petro-estados. Se a COP27 no Egito foi a das “perdas e danos”, a COP28 nos Emirados a primeira a mencionar a transição dos combustíveis fósseis, a COP29 primou pela falta de um compromisso explícito com a transição para longe dos combustíveis fósseis, e a COP30 precisa ser a COP da Justiça Climática e da Implementação de medidas concretas.
É onde o mundo terá que mostrar não apenas promessas, mas recursos financeiros reais e mecanismos eficazes para que países em desenvolvimento, como o Brasil, possam seguir um caminho de desenvolvimento low carbon, principalmente na redução de sua bolsa de agronegócio, responsável por 75% das emissões dos gases de efeito estufa (GEE) e que está entre os países que mais contribuem para o aquecimento global. De outra parte, é chegada a vez de o Sul Global ditar a pauta.
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Por que Belém foi escolhida como sede do evento?
Belém não foi uma escolha casual. Foi uma escolha política, simbólica e estratégica. É o coração da Amazônia e um a das principais cidades amazônicas, que vive na pele o desenvolvimento predatório. Sediar a COP30 em Belém é colocar os delegados internacionais, os chefes de Estado, os grandes financiadores, diante da realidade amazônica. É fazer com que eles respirem o ar da floresta, ouçam o grito dos povos originários e das comunidades ribeirinhas, e vejam a urgência com seus próprios olhos.
É uma mensagem clara: as soluções para a crise climática global passam obrigatoriamente pela proteção da Amazônia e pelo reconhecimento dos saberes de seus povos.
O que é o conceito de justiça climática?
A justiça climática é um marco ético e político que desloca a discussão de uma perspectiva puramente ambiental e tecnocrática para uma perspectiva social e de direitos humanos. Não se trata apenas de reduzir emissões de CO2, mas de perguntar: quem emitiu historicamente para se desenvolver? Quem está mais vulnerável aos impactos das mudanças climáticas? Quem tem menos condições de se adaptar?
As respostas estão relacionadas ao racismo ambiental, na medida em que os povos que não causaram o dano pagam com suas vidas as consequências das emergências climáticas.
A crise climática é profundamente injusta. Os países que mais emitiram gases de efeito estufa desde a Revolução Industrial são os que hoje têm maior capacidade de respostas. Enquanto isso, nações insulares, comunidades costeiras, populações pobres, periféricas e os povos tradicionais, que pouco ou nada contribuíram para o problema, são os que mais sofrem com secas extremas, enchentes, elevação do nível do mar e insegurança alimentar.
Justiça climática, portanto, diz respeito a reparação histórica para reconhecer a dívida ecológica do Norte com o Sul. Deve também garantir que os custos da transição e os recursos para adaptação sejam distribuídos de forma equitativa. Deve assegurar que os grupos mais vulneráveis tenham voz e participação efetiva nas decisões sobre o clima. Deve pensar nas gerações futuras, que herdarão o planeta que estamos moldando.
Isso, pode ser traduzido como o entendimento de que a mudança do clima é a maior ameaça à saúde global do século 21, e que seus impactos recaem desproporcionalmente sobre os mais pobres, agravando iniquidades.

O que podemos aprender com os povos originários, e o que as universidades podem contribuir para a justiça climática?
Os povos originários são guardiões de saberes milenares e de uma cosmovisão que entende a humanidade como parte integrante da natureza, e não como sua dona. Nos ensinam como bem manejar a biodiversidade. Conhecem como ninguém a biodiversidade, o uso sustentável de espécies e as técnicas de manejo que mantêm a floresta em pé. Seus modos de vida são exemplos concretos de adaptação às mudanças ambientais, muitas vezes com sofrimento.
Já as universidades e instituições de ciência e tecnologia, como a Fiocruz, têm um papel crucial na compreensão da ecologia dos saberes, em não impor o saber científico, mas promovê-lo em diálogo horizontal com os saberes tradicionais.
A ciência pode validar e amplificar o conhecimento ancestral, e este, por sua vez, pode orientar novas perguntas e caminhos para a ciência. Atualmente, vários pesquisadores desenvolvem pesquisas participativas, em que as comunidades são coautoras do conhecimento, buscando soluções concretas para problemas locais.
Quais os projetos da Fiocruz no campo da ecologia?
A Fiocruz tem uma trajetória longa e fértil. Podemos citar algumas frentes:
- Observatório de Clima e Saúde: tem como missão reunir e compartilhar informações, tecnologias e conhecimentos voltados para o desenvolvimento de redes de pesquisadores e estudos que avaliem os impactos das mudanças ambientais e climáticas na saúde da população brasileira. Monitora e estuda as relações entre variáveis climáticas e o adoecimento da população, como a expansão de vetores de doenças (dengue, malária) e os impactos de eventos extremos na saúde.
- Farmanguinhos e a Biodiversidade: RedesFito é um modelo organizacional dedicado ao desenvolvimento de fitomedicamentos, fitoterápicos e fitoprodutos no Brasil. O sistema reúne redes em diversos biomas brasileiros, formadas por integrantes das áreas acadêmica, tecnológica, empresarial, governamental, agrícola e do terceiro setor. Essas redes se organizam através da identificação de Arranjos Ecoprodutivos Locais (AEPLs), comprometidos com projetos estruturantes para a inovação de medicamentos a partir da biodiversidade. Pesquisam ativos da biodiversidade brasileira para o desenvolvimento de fitoterápicos e medicamentos, promovendo a bioeconomia e o uso sustentável.
- Fiocruz Mata Atlântica: contribui com a missão da Fundação Oswaldo Cruz ao integrar saberes e práticas, aproximar ensino, pesquisa, serviço e gestão pública no fortalecimento da promoção da saúde e do SUS.
- OTSS: a Fiocruz atua junto ao Fórum de comunidades tradicionais na região da Bocaina na lutaa pelos direitos das comunidades tradicionais caiçaras, indígenas e quilombolas, fortalecendo a união dos povos e seus modos de ser e fazer, desenvolvendo soluções técnicas e políticas para a promoção de territórios do bem viver.
Existem dezenas de iniciativas institucionais nas unidades técnico-científicas espalhados por todo o país, incluindo as regiões Norte e Nordeste, que marcham lado a lado aos movimentos sociais em defesa do ambiente saudável e da natureza, visando o combate a fome e as desigualdades por uma saúde digna para toda população.
Essa é uma pergunta que exige uma reflexão sobre o que chamamos de Agro.
- Agronegócio Hegemônico (ou Agro): baseado no monocultivo em larga escala, no uso intensivo de agrotóxicos, na grilagem de terras, no desmatamento e na expulsão de comunidades. Este modelo é incompatível com a justiça climática. Ele é um dos principais vetores de emissão de GEE no Brasil (75% das nossas emissões), contamina solos e águas, gera conflitos agrários e promove insegurança alimentar ao priorizar commodities para exportação em detrimento da produção de alimentos saudáveis.
- Agricultura Familiar, Camponesa e Agroecológica: baseada na diversificação de cultivos, no manejo sustentável, na ausência de venenos, na integração com a floresta (agrofloresta) e na produção de alimentos saudáveis para o mercado local. Este modelo é não apenas compatível, mas é um pilar da justiça climática. Ele sequestra carbono, preserva a biodiversidade, fortalece economias locais e garante a soberania alimentar.
Portanto, a pergunta não é se o Agro pode ser justo, mas qual projeto de campo nós queremos e vamos financiar. A reforma agrária popular vem na direção da justiça climática e exige uma transição urgente do agronegócio predatório para a agroecologia.
Como você conceitua a crise climática?
Gostaria de finalizar reforçando que a crise climática é uma crise de modelo civilizatório. Ela é o sintoma mais agudo de um sistema econômico que privilegia o lucro acima da vida, a acumulação acima da distribuição, e a mercantilização de tudo, inclusive dos bens comuns como a água, o ar e a biodiversidade.
A saída não será apenas tecnológica. Será, sobretudo, política, cultural e ética. Precisamos construir uma ecologia de saberes, onde a ciência, os povos tradicionais, os movimentos sociais e os gestores públicos trabalhem juntos.
Quero ressaltar que a COP30 deve ser vista não apenas como um evento internacional, mas como uma oportunidade de mobilização interna do Brasil. Precisamos aproveitar essa visibilidade para fortalecer políticas de saúde, ambiente e trabalho, colocar a justiça climática no centro da agenda nacional e internacional e mostrar que a Amazônia não é um vazio a ser explorado, mas um território vivo, habitado e fundamental para o planeta.
A Fiocruz estará presente nesse processo, reafirmando seu compromisso histórico com a saúde pública, a justiça social e ambiental. A Fiocruz, com seu compromisso histórico com a saúde pública e a justiça social, tem o dever de estar na vanguarda desse debate.
A COP30 em Belém é uma janela única para o Brasil reassumir a liderança global na agenda socioambiental, mostrando ao mundo que é possível ter saúde, desenvolvimento e justiça climática, desde que estejamos dispostos a ouvir a floresta e seus povos.
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