

Uma nova espécie de mosca predadora foi descoberta na Mata Atlântica por cientistas do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) e da Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Batizada de Hemerodromia mystica, a espécie foi encontrada no Parque Estadual da Pedra Branca (PEPB), a maior floresta urbana em área protegida do Brasil, localizada na Zona Oeste da cidade do Rio de Janeiro.
O registro foi publicado na revista International Journal of Tropical Insect Science. Assinam o estudo os pesquisadores Arion Tulio Aranda, Óscar Sánchez Molina e José Rodrigues Gomes, do Laboratório Integrado – Simulídeos e Oncocercose & Entomologia Médica e Forense do IOC/Fiocruz, e Josenir Teixeira Câmara, da Universidade Federal da Paraíba.
A nova espécie apresenta pernas dianteiras adaptadas para capturar presas com precisão, lembrando o movimento de um louva-a-deus. Além disso, revela um comportamento inusitado: utiliza o casulo vazio de borrachudos como abrigo durante sua transformação de pupa para adulto, prática conhecida como inquilinismo.
A Hemerodromia mystica não é apenas rara — ela tem uma função ecológica fundamental. Sua dieta inclui diferentes fases de vida dos borrachudos, insetos que podem transmitir doenças como oncocercose e mansonelose. Ao predar larvas, pupas e adultos, contribui naturalmente para o controle populacional desses insetos nocivos.
A escolha do nome da mosca está ligada a essa estratégia, já que ‘mystica’ faz referência à personagem mutante da famosa história em quadrinhos, capaz de mudar de forma e se camuflar para enganar seus adversários. Assim como a personagem, o inseto descrito ‘assume outra identidade’ ao se desenvolver dentro do casulo abandonado por outro organismo.
Além da relação de inquilinismo, a nova espécie pode se alimentar de borrachudos em diferentes fases de vida. Com isso, essas moscas atuam de forma natural no controle dessas populações, que podem transmitir doenças como a oncocercose e a mansonelose.
“As moscas deste gênero têm o primeiro par de patas adaptadas para capturar presas, muito semelhantes às de um louva-a-deus. Com elas, os machos agarram outros insetos, incluindo borrachudos, para se alimentar ou oferecer às fêmeas durante o acasalamento. Suas larvas também predam larvas e pupas de borrachudos”, explica Arion Tulio Aranda, curador da Coleção de Simulídeos do IOC/Fiocruz e um dos autores do estudo.
Outro aspecto marcante da descoberta é que insetos da família Empididaecostumam ser mais estudados a partir de espécimes coletadas durante o voo. Por isso, este é o primeiro registro, na Região Neotropical — que engloba a América do Sul, América Central, sul do México e ilhas do Caribe —, de um adulto dessa família associado à sua exúvia pupal, que é a ‘casca’ que permanece depois que o inseto adulto rompe o exoesqueleto da pupa.
Ter esse material preservado junto ao adulto é valioso para a ciência porque permite descrever com precisão duas fases do ciclo de vida de uma mesma espécie, o que ajuda a identificar padrões de desenvolvimento, comparar com outras espécies e ampliar o conhecimento sobre a biologia do grupo.
Pequena e superpoderosa
Com apenas 3 milímetros de comprimento, a Hemerodromia mystica apresenta corpo alongado de cor escura, asas transparentes com leve tonalidade acinzentada e o primeiro par de patas adaptado para capturar presas.
O espécime descrito pela pesquisa — um macho acompanhado de sua exúvia — foi coletado em um trecho de vegetação submersa do Rio Piabas, na Zona de Preservação do Parque Estadual da Pedra Branca.
A região é marcada por alta umidade, influência dos ventos oceânicos e vegetação típica da Mata Atlântica e, portanto, oferece condições ideais para espécies sensíveis à qualidade ambiental, como essa nova mosca descrita.
É justamente essa dependência de habitats preservados que revela outro ‘superpoder’ da Hemerodromia mystica: a capacidade de servir como indicadora da qualidade de ambientes aquáticos e florestais. Isso porque a espécie, assim como outras do mesmo gênero, depende de cursos d’água limpos para se desenvolver e, por isso, é associada a áreas preservadas ecologicamente.
“Muitas espécies do gênero Hemerodromia descritas no Brasil foram encontradas em unidades de conservação de diferentes biomas, o que reforça a necessidade de investigar esse grupo em estudos sobre bioindicadores de qualidade ambiental”, completa Arion.
As amostras coletadas, incluindo o adulto, sua exúvia pupal e exemplares de espécies próximas, foram depositadas na Coleção Entomológica do IOC – CEIOC/Fiocruz, onde permanecem preservadas para consultas futuras e estudos comparativos. O armazenamento em coleções biológicas garante a disponibilidade do material para revisões taxonômicas, análises morfológicas e genéticas, além de servir como referência para identificar novas ocorrências da espécie em outras regiões.
Para os autores, descobertas como essa revelam que ainda há muito a ser explorado nos biomas brasileiros, mesmo em áreas próximas a grandes centros urbanos. “Nosso projeto de pesquisa evidencia a diversidade ainda oculta na Mata Atlântica e reforça a importância de se manter investigações taxonômicas e ecológicas em diferentes ecossistemas, fundamentais para compreender e conservar tanto nossa biodiversidade, quanto seus respectivos ambientes”, destaca o autor.
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