Por: Joabe Antonio de Oliveira Servidor do Ministério da Saúde há mais de 15 anos
Revisão Científica: Dr. José Henrique Tamburini
Especialista em Medicina Ortomolecular
A Evolução do Cuidado – Olhando Além da Glicemia
O Diabetes Mellitus (DM) é, inegavelmente, uma das maiores epidemias de nosso tempo. Com mais de um bilhão de pessoas afetadas globalmente, a condição deixou de ser um desafio apenas individual para se tornar uma prioridade de saúde pública. Minha experiência de mais de 15 anos no Ministério da Saúde me deu uma visão clara: a forma como tratamos o diabetes está em constante e rápida evolução.
As recém-lançadas Diretrizes da Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD) 2025 não são apenas um conjunto de recomendações médicas; são um manifesto para o futuro do cuidado. Elas nos mostram que controlar o diabetes não é mais uma tarefa simplista de “apenas medir o açúcar no sangue”. O manejo moderno exige uma visão holística, um “cuidado 360º” que integra tecnologia de ponta, fármacos com benefícios cardiometabólicos e uma abordagem profundamente personalizada.
Neste artigo, vamos mergulhar nas cinco fronteiras cruciais que estão redefinindo o tratamento do DM, conforme a SBD. Prepare-se para descobrir como a doença afeta desde a estrutura dos seus ossos até o planejamento de uma cirurgia, e como a inteligência artificial e os novos medicamentos estão transformando a qualidade de vida. Com a expertise da Medicina Ortomolecular do Dr. José Henrique Tamburini na revisão, garantimos um olhar integral e baseado nas evidências mais robustas.
A Revolução do Diagnóstico e Classificação – A Importância do Subtipo

O primeiro grande avanço das novas diretrizes reside na precisão diagnóstica. Por muito tempo, classificamos o DM de forma binária: Tipo 1 (DM1) ou Tipo 2 (DM2). No entanto, o diabetes é uma condição complexa e altamente heterogênea.
A Descoberta dos Subtipos Complexos: LADA e MODY
Hoje, sabemos que entre 5% a 10% dos casos de DM em adultos não se encaixam perfeitamente no DM1 clássico ou no DM2. É aqui que entram os subtipos que exigem um diagnóstico mais sofisticado:
- Diabetes Autoimune Latente do Adulto (LADA): Frequentemente confundido com o DM2, o LADA é, na verdade, uma forma lenta de DM1, que se manifesta em adultos. O paciente pode iniciar o tratamento com medicamentos orais, mas a destruição autoimune das células beta do pâncreas continua, exigindo insulina precocemente.
- MODY (Mature Onset Diabetes of the Young): Uma forma monogênica (genética) rara, que se manifesta em jovens, mas com características que se assemelham ao DM2. O diagnóstico de MODY, feito por testes genéticos, é crucial, pois seu tratamento é drasticamente diferente e, muitas vezes, não exige insulina.
Investigação Complementar: Os Marcadores da Etiopatogenia
Para diferenciar corretamente esses subtipos e garantir o tratamento ideal, a investigação complementar não é mais um luxo, mas uma necessidade.
- Autoanticorpos: A dosagem de autoanticorpos (como anti-GAD, anti-IA2 e anti-ZnT8) é o pilar para identificar a natureza autoimune do LADA ou DM1. Pacientes com DM2 não apresentam esses marcadores.
- Peptídeo C: Este marcador reflete a produção residual de insulina pelo organismo. Níveis baixos indicam deficiência absoluta de insulina (DM1 ou LADA avançado), enquanto níveis mais altos apontam para a resistência à insulina, característica do DM2.
Em suma, a SBD 2025 reforça: o cuidado personalizado começa com o diagnóstico correto. Definir o subtipo permite estratégias de rastreamento de comorbidades e complicações específicas e a escolha do tratamento mais eficaz desde o início.
Faça um teste rápido para verificar como anda sua glicemia
Teste Rápido de Risco de Diabetes Tipo 2
Descubra seu nível de risco com base em fatores comuns. Lembre-se: este teste não é um diagnóstico!
1. Você tem 45 anos ou mais?
2. Você tem sobrepeso ou obesidade (IMC ≥ 25 kg/m²)?
3. Algum familiar próximo (pais, irmãos) tem diabetes?
4. Você pratica atividade física por menos de 30 minutos na maioria dos dias da semana?
5. Você já teve glicemia de jejum elevada ou diagnóstico de pré-diabetes (glicemia de jejum entre 100-125 mg/dL)?
6. Você teve diabetes gestacional ou deu à luz um bebê com mais de 4kg?
O Alerta Silencioso – Diabetes e a Saúde dos Ossos (Vigilância 360º)

Quando se fala em diabetes, a mente automaticamente pensa em coração, rins, olhos e pés. No entanto, as novas diretrizes lançam um holofote sobre um risco seríssimo, mas frequentemente negligenciado: a saúde óssea.
O Diabetes como Fator de Risco Independente para Fraturas
O que as pesquisas mais recentes e a SBD 2025 afirmam é um dado que muda o jogo:
O Diabetes Mellitus é um fator de risco independente para fraturas.
Isso significa que, mesmo controlando outros fatores de risco, o simples fato de conviver com o DM aumenta significativamente a vulnerabilidade esquelética. Pacientes com Diabetes Tipo 2 têm o dobro do risco de sofrer uma fratura de quadril em comparação com a população não diabética.
O mecanismo é multifatorial, envolvendo a glicação avançada (produtos AGEs) que compromete a qualidade do colágeno ósseo e o próprio metabolismo celular.
O Tratamento que Protege e o que Prejudica os Ossos
O Dr. José Henrique Tamburini, com sua visão ortomolecular, sempre defende a integração do cuidado. E as diretrizes confirmam: a escolha do fármaco para o diabetes agora precisa levar em conta seu impacto nos ossos.
- Com Cautela: Algumas classes, como as Tiazolidinedionas e um dos Inibidores do SGLT2 (a Canagliflozina), podem estar associadas a um aumento discreto do risco de fraturas, exigindo atenção, especialmente em pacientes com osteoporose prévia.
- Aliados da Estrutura: A Metformina e os Agonistas do Receptor GLP-1 (AR GLP-1) são considerados neutros ou até benéficos para a massa óssea. Os AR GLP-1, em particular, ajudam a preservar a estrutura óssea, um benefício a ser considerado na terapia de longo prazo.
Estratégia Prática: As diretrizes recomendam o rastreamento de osteoporose e a utilização de ferramentas como o escore FRAX (Ferramenta de Avaliação do Risco de Fratura) ajustado para o paciente com diabetes. Olhar o osso é, portanto, parte essencial da prevenção de complicações graves.
A Tecnologia na Linha de Frente –(≈ 400 palavras)

A terceira fronteira é a da Revolução Digital. O avanço tecnológico transformou a maneira como o diabetes é monitorado, saindo da "foto estática" da picada no dedo para o "filme completo" da glicemia.
Monitorização Contínua de Glicose (CGM) – Mais que um Alarme
A Monitorização Contínua de Glicose (CGM), como o sistema FreeStyle Libre 2, é a estrela dessa seção. Um pequeno sensor subdérmico, que dura 14 dias, permite que o paciente e a equipe de saúde vejam, em tempo real, as flutuações glicêmicas.
- Segurança Reforçada: A grande inovação desses sistemas são os alarmes opcionais e personalizáveis para hipoglicemia e hiperglicemia. Isso é vital, especialmente para prevenir as perigosas hipoglicemias noturnas, que podem ocorrer enquanto o paciente dorme.
- Tempo no Alvo (Time in Range – TIR): O foco se desloca da Hemoglobina Glicada (HbA1c) para o Tempo no Alvo (TIR), a porcentagem de tempo que a glicemia do paciente permanece dentro da faixa ideal (geralmente entre 70 e 180 mg/dL). A meta de TIR $>70\%$ é o novo padrão ouro.
Inteligência Artificial (IA) e Telemedicina – O Cuidado Conectado
A SBD 2025 eleva a IA e a Telemedicina de ferramentas auxiliares a pilares essenciais do tratamento:
- Análise Preditiva e Personalização: A IA é capaz de analisar os vastos dados gerados pelo CGM para identificar padrões e prever flutuações glicêmicas, permitindo ajustes proativos nas doses de insulina e na dieta, levando à verdadeira terapia personalizada.
- Diagnóstico Precoce de Complicações: A IA já está sendo utilizada para analisar imagens de fundo de olho, diagnosticando a Retinopatia Diabética em fases iniciais com alta precisão, mesmo em locais remotos.
- Acesso e Acompanhamento: A Telemedicina, definida pela OMS como o uso da tecnologia para superar a distância, permite que o paciente crônico tenha acompanhamento contínuo e remoto, essencial para uma doença que exige gestão diária.
O desafio, como aponta o vídeo, é a democratização desse acesso, garantindo que o treinamento e a infraestrutura cheguem a todas as regiões do Brasil.
Fármacos Além da Glicemia – O Benefício Cardiometabólico

A quarta fronteira foca no tratamento farmacológico, que hoje tem um objetivo duplo: controlar a glicose e proteger o sistema cardiovascular e renal.
Os Agonistas do Receptor GLP-1 (AR GLP-1) e Coagonistas GLP-1/GIP
Essa classe de medicamentos, os agonistas e coagonistas das incretinas, revolucionou o tratamento do DM2 e da obesidade:
- Benefício CV (MACE): Os AR GLP-1 demonstraram uma capacidade robusta de reduzir eventos cardiovasculares (CV) maiores (MACE), que incluem morte CV, Infarto Agudo do Miocárdio (IAM) e Acidente Vascular Cerebral (AVC).
- Controle de Peso: Além disso, os coagonistas (como a Tirzepatida, que combina ações GLP-1 e GIP) produzem uma perda de peso significativa, tratando a obesidade, uma das comorbidades mais prevalentes no DM2.
Os Inibidores do SGLT2 (iSGLT2) – A Proteção Cardiorrenal
Os iSGLT2 (como a Dapagliflozina e a Empagliflozina) representam um dos maiores avanços recentes. Eles atuam eliminando o excesso de glicose pela urina, mas seus benefícios vão muito além:
- Insuficiência Cardíaca (IC): Eles são fortemente recomendados para pacientes com DM2 e Insuficiência Cardíaca (IC), pois têm a capacidade de reduzir hospitalizações por IC e melhorar a função cardíaca, independentemente do nível de glicemia.
- Doença Renal Crônica (DRC): Oferecem uma potente proteção renal, retardando a progressão da Doença Renal Crônica em pacientes diabéticos, tornando-se terapia padrão para quem possui DRC associada ao DM.
A mensagem central é: A escolha do tratamento não é mais baseada apenas na redução da glicemia, mas sim na presença de comorbidades. Pacientes com risco CV ou doença renal estabelecida devem ter a terapia iniciada com AR GLP-1 ou iSGLT2, conforme as diretrizes.
Personalização e Segurança Máxima em Momentos Críticos

A quinta e última fronteira é a da Personalização e Segurança, focada em dois grupos de altíssimo risco: os idosos e os pacientes em período perioperatório.
Cuidado Personalizado para o Idoso Frágil: A Regra de Ouro
Na geriatria, o cuidado "tamanho único" simplesmente não funciona. O conceito de Fragilidade é o novo norte nas diretrizes para idosos:
- Fragilidade vs. Idade: Fragilidade é uma síndrome clínica, uma perda da reserva biológica. Um idoso robusto (saudável) tem metas glicêmicas rígidas (HbA1c $<7\%$); um idoso frágil (com múltiplas comorbidades, risco de queda) tem metas mais flexíveis (HbA1c até $8,0\%$ ou $8,5\%$).
- Prioridade Absoluta: Evitar Hipoglicemia: A regra de ouro é clara. Em idosos frágeis, uma queda brusca de açúcar (hipoglicemia) é muito mais perigosa do que um controle glicêmico um pouco mais alto. A hipoglicemia pode levar a quedas, fraturas, confusão mental e eventos cardiovasculares, desestabilizando toda a saúde do paciente. A segurança vem antes da rigidez da meta.
Manejo de Comorbidades Complexas e Diapression
As novas diretrizes também abordam o manejo de comorbidades que exigem atenção especializada:
- Hipogonadismo Masculino: A alta prevalência (25% a 40%) em homens com DM2 exige rastreamento. A Terapia de Reposição de Testosterona (TRT) pode trazer benefícios metabólicos.
- Depressão (Diapression): Com prevalência aumentada (24% a 41%), a depressão no diabético (apelidada de Diapression) exige rastreamento e tratamento farmacológico. Uma mente saudável é fundamental para um bom controle glicêmico e adesão ao tratamento.
Cuidados Hospitalares e o Risco Cirúrgico (Perioperatório)
O período em torno de uma cirurgia é de alto risco para o diabético, exigindo protocolos detalhados:
- Preparação Pré-Cirúrgica: Para cirurgias eletivas, a meta é que a HbA1c esteja abaixo de $8\%$. Um bom controle pré-operatório reduz drasticamente o risco de infecções e melhora a cicatrização.
- Ajuste de Fármacos – O Checklist da Segurança:
- iSGLT2: Devem ser suspensos 3 a 4 dias antes da cirurgia para prevenir o risco de cetoacidose euglicêmica (uma complicação rara, mas grave, onde a cetoacidose ocorre com glicemia normal ou levemente elevada).
- AR GLP-1 de Longa Duração: Devem ser suspensos até uma semana antes, dependendo do caso. A principal preocupação é o retardo no esvaziamento gástrico, que aumenta o risco de aspiração de conteúdo estomacal durante a anestesia. Recomendação de dieta líquida 24h antes é crucial.
- Controle no Paciente Crítico: Em UTI ou no pós-operatório imediato, a Insulinoterapia Endovenosa é o padrão ouro para manter um controle glicêmico rigoroso e seguro.
Conclusão: O Caminho Traçado para um Cuidado Mais Humano e Eficiente

O futuro do controle do diabetes não está em uma "pílula mágica", mas na integração inteligente de conhecimento e tecnologia. As Diretrizes SBD 2025 traçaram um caminho para um cuidado mais eficiente, mais seguro e, acima de tudo, mais humano.
Os Quatro Pilares do Novo Cuidado são: Vigilância (olhar o todo, incluindo os ossos), Tecnologia (CGM e IA como ferramentas centrais), Personalização (cuidado sob medida, especialmente para o idoso) e Segurança (foco obsessivo na prevenção de hipoglicemia e planejamento cirúrgico).
O conhecimento está disponível. Como servidor do Ministério da Saúde, meu maior desejo é que essa revolução digital e clínica alcance todos os cantos do nosso país, garantindo saúde e qualidade de vida para quem vive com diabetes. O desafio é grande, mas o caminho já está traçado.
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