Aproximadamente dois terços das mulheres no Rio de Janeiro já relataram ter sofrido pelo menos um tipo de violência obstétrica, segundo estudo “Nascer no Brasil“, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). O trabalho foi lançado na quarta-feira (3) com dados inéditos sobre gestação, parto e nascimento no estado do Rio de Janeiro.
Além das informações sobre violência obstétrica, a pesquisa reúne dados exclusivos sobre o perfil das puérperas, características das maternidades, adequação ao pré-natal, amamentação, saúde mental materna, além de taxas de cesarianas, partos vaginais e boas práticas. Os resultados foram publicados em uma série com sete artigos na Revista de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP).
O levantamento envolveu 29 maternidades públicas e privadas localizadas em 18 municípios fluminenses, com o total de 1.923 mulheres entrevistadas durante a internação para o parto ou por perda fetal, e foram obtidas informações de cadernetas de gestante e de prontuários de puérperas e recém-nascidos.
Segundo a pesquisa, entre os tipos de violência obstétrica, toques vaginais inadequados foram os mais relatados (46%), seguido por negligência (31%), abuso psicológico (22%), estigma e discriminação (8%) e abuso físico (3%). Foi constatada desigualdade na ocorrência do problema, com maior vulnerabilidade entre mulheres em condições socioeconômicas desfavoráveis.
Também foram observadas disparidades relacionadas ao estigma e discriminação de acordo com algumas características demográficas, como cor de pele preta e mulheres sem companheiro, bem como abuso físico e toques vaginais inadequados entre mulheres com idade acima de 35 anos e escolaridade inferior a 12 anos de estudo.
Mulheres primíparas [que estão dando à luz pela primeira vez], que entraram em trabalho de parto, com trabalho de parto prolongado e que tiveram parto vaginal, também apresentaram maiores prevalências de violência obstétrica em algumas das dimensões investigadas.
Perfil das puérperas
O “Nascer no Brasil 2 – Pesquisa Nacional sobre Perdas Fetais, Parto e Nascimento” foi realizado uma década após o lançamento da primeira edição, que apontou alto índice de cesarianas no sistema de saúde nacional. O estudo teve como objetivo dimensionar o panorama da saúde obstétrica, com base em informações sobre as condições socioeconômicas das mulheres, os fatores de risco gestacionais, o acesso e a qualidade dos serviços de saúde, além das condições do parto e do nascimento e os principais desfechos maternos e neonatais, oferecendo um acompanhamento ampliado do cenário da assistência à saúde sexual e reprodutiva no país.
Segundo o levantamento, um em cada dez partos aconteceu em adolescentes, enquanto o dobro ocorreu em mulheres com idade materna avançada, ou seja, 35 anos ou mais. Segundo as coordenadoras do estudo, os resultados indicam maior complexidade e requerem melhor qualificação do serviço público.
“As faixas etárias extremas da vida reprodutiva estão associadas ao aumento de risco de complicações obstétricas e perinatais. Já a gravidez na adolescência demanda atenção diferenciada em razão dos maiores riscos de óbito perinatal, parto prematuro e restrição do crescimento fetal, especialmente nas mais jovens”, afirmam Maria do Carmo Leal, médica e coordenadora do estudo, e Silvana Granado, enfermeira e coordenadora-adjunta do estudo.
O estudo também alertou que as adolescentes apresentaram maiores chances de desfechos perinatais negativos, como óbito perinatal e ter um recém-nascido prematuro. Já no grupo com idade superior a 35 anos, houve maior chance de síndromes hipertensivas, diabetes gestacional, descolamento prematuro de placenta e morbidade materna grave. Em contrapartida, elas receberam mais orientação sobre a maternidade de referência.
Desigualdades entre setor privado e público
Entre as mulheres atendidas no Sistema Único de Saúde (SUS), 80% tiveram acompanhante em tempo integral. No setor privado, o índice foi de 98%. O uso de analgesia peridural foi ofertado para apenas 1% das parturientes do SUS, enquanto para as usuárias do setor privado, o acesso ao procedimento foi de 30%.
“A oferta de analgesia peridural se associou com o parto vaginal, sendo uma tecnologia útil para alívio da dor do parto, podendo ser uma aliada na redução de cesarianas sem indicação clínica”, afirmam Maria do Carmo Leal e Silvana Granado.
Os dados também apontam que as taxas de cesarianas ainda se mantêm altas, conforme constatou a primeira edição do estudo, sendo mais frequentes nos municípios do interior (66%) e no setor privado (85%), principalmente as realizadas antes do trabalho de parto.
Mulheres que tiveram filhos no SUS tiveram chance quase dez vezes maior de entrar em trabalho de parto em comparação com as que tiveram financiamento privado. “Nesse setor, observou-se que, quando a parturiente entra em trabalho de parto, ela evolui para um parto vaginal quase tanto como no setor público. Entretanto, apenas 15% das mulheres da rede privada tiveram parto vaginal e o modelo da cesariana sem trabalho de parto é o que prevalece”, lamentam as autoras da pesquisa.
Os dados indicam que, apesar de a cobertura da assistência pré-natal no Rio de Janeiro ser praticamente universal (98%), a sua adequação foi inferior a 1% no estado, ao se considerar todas as recomendações do Ministério da Saúde. Do total de gestantes entrevistadas, 79% iniciaram o acompanhamento médico até a 12ª semana de gestação e 75% realizaram o número mínimo de consultas para a idade gestacional no parto.
“As gestantes usuárias do serviço de saúde privado apresentaram melhor desempenho, evidenciando as desigualdades que persistem no país”, observam as autoras da pesquisa.
Segundo o estudo, menos de 20% das mulheres receberam todas as orientações recomendadas: riscos e benefícios sobre tipos de parto, maternidade de referência e uso de álcool e tabagismo. De acordo com as autoras, a baixa adequação ao pré-natal pode ser um dos fatores por trás da elevada razão de mortalidade materna, fetal e perinatal, e de incidência de sífilis congênita no estado, que é superior à média nacional.
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