Estudo mostra como arboviroses estão associadas à desigualdade-radardasaude

Joabe Antonio de Oliveira

11/09/2025


Fatores sociais, raciais e regionais fazem com que doenças como a dengue e a chikungunya afetaem de forma desigual diferentes grupos da população no Brasil (Marcelo Camargo / Agência Brasil)

10 de setembro de 2025

Fred Santana – Da Cenarium

MANAUS (AM) – Um estudo da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), publicado na revista The Lancet Regional Health – Americas, revelou que dengue e chikungunya afetam de forma desigual diferentes grupos da população no Brasil, destacando a influência de fatores sociais, raciais e regionais na severidade dessas doenças. A pesquisa analisou mais de 1,1 milhão de casos de chikungunya e 13,7 milhões de casos de dengue registrados entre 2015 e 2024 no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan).

No período avaliado, 21,3 mil pessoas precisaram de internação por chikungunya, das quais 1.044 morreram em até 84 dias após o início dos sintomas, sendo 728 óbitos atribuídos diretamente à doença. A dengue apresentou um impacto ainda maior em termos absolutos: 455,8 mil hospitalizações e 12.969 mortes, das quais 9.989 foram decorrentes da infecção. A pesquisa destacou que idade extrema – inferior a um ano ou superior a 70 anos -, sexo masculino e a presença de comorbidades, como diabetes e doenças renais, aumentam significativamente o risco de hospitalização e morte em ambas as enfermidades.

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Agentes atuam para combater mosquitos transmissores de doenças no Brasil (Paulo Pinto/Agência Brasil)

Os impactos não se distribuem de forma homogênea. Os anos de vida perdidos (aYLL) são consideravelmente maiores entre populações historicamente marginalizadas. No caso da chikungunya, pessoas negras tiveram a média mais alta de anos de vida perdidos, com 22 anos, contra 13 anos entre pessoas brancas. Para a dengue, os indígenas foram os mais impactados, com 22,5 anos perdidos, comparados a 12,6 anos entre brancos.

As regiões Norte e Nordeste do País se destacaram pelos maiores efeitos proporcionais: no Norte, a idade média de morte por chikungunya foi de 36,5 anos, resultando em 22,1 anos de vida perdidos, enquanto os óbitos por dengue ocorreram em média aos 44,3 anos, com 19,8 anos de vida perdidos. Em contraste, Sudeste e Sul registraram mais casos absolutos, mas com menor impacto proporcional em anos de vida perdidos.

A Fiocruz reforça que municípios com maior proporção de populações negras, indígenas e pardas apresentaram mortes em idades mais jovens, evidenciando que desigualdades estruturais – como pobreza, acesso limitado à saúde, habitação precária e saneamento insuficiente – ampliam os riscos dessas doenças. Para a instituição, compreender esses fatores é essencial para orientar políticas públicas de prevenção, distribuição de vacinas e priorização de cuidados de saúde, especialmente em regiões como a Amazônia e o Nordeste brasileiro.

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Aedes aegypti, mosquito transmissor da dengue (Reprodução/Agência Brasil)
Como lidar com o problema

Especialistas em saúde pública conversaram com a CENARIUM e reforçaram a complexidade do problema. André Ribas Freitas, médico epidemiologista e professor da Faculdade São Leopoldo Mandic, destaca a importância de medidas já conhecidas. “Precisamos continuar com as medidas que já vêm sendo adotadas há muito tempo, ou seja, reduzir a disponibilidade de criadouros nos domicílios e eliminar locais que possam acumular água”, avalia.

O médico lembra também da relevância do uso de repelentes como medida essencial no combate aos mosquitos transmissores das doenças, sobretudo durante o período de maior circulação viral. Segundo ele, o cuidado deve ser redobrado entre gestantes, crianças pequenas e idosos, que representam os grupos mais vulneráveis a complicações graves. Freitas alerta, ainda, que o mosquito Aedes aegypti, vetor dessas arboviroses, tem hábitos diurnos, o que torna fundamental a aplicação de repelente ao longo do dia para garantir proteção eficaz.

“É muito importante durante o período de transmissão e especialmente por mulheres grávidas, crianças pequenas e idosos, já que a dengue e a chikungunya apresentam maior gravidade nesses grupos. O uso de repelente também ajuda a reduzir o risco de complicações associadas à zika. Vale lembrar que o mosquito transmissor tem hábito diurno, portanto o repelente deve ser aplicado durante o dia”, afirma Freitas.

Joziana Muniz de Paiva Barçante, coordenadora do Núcleo de Pesquisa Biomédica (NUPEB) e do Setor de Prevenção de Endemias da Universidade Federal de Lavras, acrescenta que o enfrentamento dessas doenças exige prioridade política e ações integradas: “É uma questão bem complexa e considero que passe essencialmente pela vontade e priorização política. Reduzir essas desigualdades é uma tarefa bastante árdua, sobretudo considerando algumas particularidades das regiões norte e nordeste e os grupos populacionais particulares. O controle dessas arboviroses está diretamente envolvido com o controle do inseto vetor que é o mesmo para as duas doenças”, afirma.

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A pesquisa analisou mais de 1,1 milhão de casos de chikungunya e 13,7 milhões de casos de dengue registrados entre 2015 e 2024 (Reprodução/Agência Brasil)

A pesquisadora Joziana pontua que o controle efetivo dos criadouros do mosquito transmissor de arboviroses depende diretamente da participação ativa da população, em conjunto com as ações das secretarias de vigilância em saúde. De acordo com a especialista, é fundamental que os órgãos públicos invistam em estratégias de educação em saúde, capacitação de agentes comunitários e de endemias, além da realização de mutirões e visitas domiciliares para monitoramento ambiental.

“É necessário que as vigilâncias apliquem as estratégias de educação em saúde, treinamento de equipes (ACS/ACE) e visitas/mutirões para monitoramento do ambiente e criar o senso de pertencimento na população no processo. Para isso, o envolvimento e o apoio de lideranças locais possui enorme valor. A educação em saúde também é essencial para orientar à população sobre os sinais de alerta e locais de atendimento”, orienta Joziana.

A cientista ressalta, ainda, a importância de integrar prevenção e assistência: “Um outro ponto prioritário é a assistência aos infectados. Garantir testagem rápida e hidratação imediata por meio de salas e/ou barcos para facilitar o acesso a comunidades mais remotas. A morte de muitos pacientes é evitável quando a assistência rápida está disponível. É extremamente necessário que a prevenção comunitária e a assistência ágil estejam integradas para evitar casos graves e óbitos. E, em cada região, a análise particular do cenário local é fundamental para a melhor estratégia a ser empregada”, explica.

Leia mais: Fiocruz: desmatamento e mudanças climáticas contribuíram para ‘explosão’ de dengue no Brasil
Editado por Jadson Lima

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