Insulina: Brasil a caminho da autossuficiência após parceria com a China-radardasaude

Joabe Antonio de Oliveira

08/10/2025

Desde 2009, a China é o principal parceiro comercial do Brasil, mas essa liderança nem sempre significa equilíbrio. O Brasil ainda exporta, principalmente, matérias-primas e produtos agrícolas, enquanto importa da China máquinas, equipamentos e tecnologias de ponta. Em outras palavras, o país vende produtos simples e compra itens sofisticados — o que mantém uma dependência econômica e tecnológica.

Esse cenário, porém, começa a mudar. Um bom exemplo é a parceria entre Bio-Manguinhos/Fiocruz, a Biomm e a farmacêutica chinesa Gan&Lee para produzir insulina nacional com transferência de tecnologia. Isso significa que o Brasil não vai apenas fabricar o medicamento, mas também aprender a dominar toda a tecnologia de produção, fortalecendo sua autonomia científica e industrial.

O cientista político Diego Pautasso, em entrevista exclusiva à coluna China em Foco, vê esse tipo de cooperação como um passo importante para o futuro das relações entre os dois países.

“Isso revela o potencial das relações sino-brasileiras, mas também o imperativo de que o Brasil formule um projeto nacional para extrair as melhores oportunidades. Ou seja, ao invés de se contentar com superávits comerciais com a China ou de aderir acriticamente à integração passiva às cadeias de valor — sob a lógica neoliberal —, precisamos formular um lugar-chave para a China em nosso desenvolvimento.”

Professor da UFRGS e da PUC Minas, Pautasso é pós-doutor em Estudos Estratégicos Internacionais e cofundador do projeto Fios da China. Para ele, o desafio do Brasil não é se afastar da China, mas redefinir seu papel nessa relação, deixando de ser apenas exportador de commodities para se tornar produtor de conhecimento e inovação.

Nas redes sociais, Pautasso compartilhou um fio que abordou em mais detalhes essa parceria sino-brasileira que consolida uma das aspirações do Brasil, por transferência tecnológica. Confira:

Parceria para produção de insulina nacional

Ministério da Saúde (Walterson Rosa)

A parceria entre Brasil e China para fabricar insulina glargina, usada no tratamento de diabetes tipo 1 e tipo 2, é resultado direto da visita do presidente Lula à potência asiática, em maio deste ano. Durante a viagem, foram assinados diversos acordos bilaterais nas áreas de saúde, tecnologia e inovação, com destaque para a cooperação com a farmacêutica Gan&Lee, que se comprometeu a transferir tecnologia e entregar 20 milhões de frascos de insulina ainda neste ano.

O acordo envolve o Ministério da Saúde, a Fiocruz (Bio-Manguinhos), a empresa brasileira Biomm e a Gan&Lee. Inicialmente, o medicamento será embalado no Brasil, na fábrica da Biomm em Nova Lima (MG) — inaugurada em 2024 por Lula, marcando a retomada da produção nacional de insulina após mais de 20 anos.

Com o avanço da parceria, a tecnologia de produção será transferida para a Bio-Manguinhos/Fiocruz, tornando o produto 100% nacional. O Insumo Farmacêutico Ativo (IFA) será produzido na futura planta da Fiocruz em Eusébio (CE), a primeira fábrica de insulina da América Latina, construída com recursos do Novo PAC. O investimento total é de R$ 930 milhões, e a meta é alcançar 70 milhões de unidades por ano dentro de uma década.

O impacto dessa política já começou a aparecer. No dia 11 de julho, o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, recebeu, na fábrica da Biomm, o primeiro lote de insulinas nacionais produzidas por meio das Parcerias para o Desenvolvimento Produtivo (PDP) — modelo que une o setor público e o privado para fortalecer o Complexo Econômico-Industrial da Saúde.

Foram entregues 207 mil unidades de insulina humana, entre os tipos regular e NPH, que serão distribuídas pelo Sistema Único de Saúde (SUS).

A insulina NPH (Neutral Protamine Hagedorn) é uma insulina de ação intermediária, ou seja, começa a agir algumas horas após a aplicação e mantém o controle da glicose por até 12 horas. É indicada para pessoas com diabetes tipo 1 e tipo 2 e costuma ser aplicada uma ou duas vezes ao dia para manter os níveis de açúcar no sangue estáveis entre as refeições. Já a insulina regular é de ação rápida, usada principalmente antes das refeições para controlar os picos de glicose.

Esses dois tipos são essenciais no tratamento do diabetes e fazem parte da lista de medicamentos gratuitos oferecidos pelo SUS.

Com a transferência tecnológica, o país deve passar a produzir 50% da demanda nacional de insulina NPH e regular, cerca de 45 milhões de doses anuais, garantindo autonomia e segurança no abastecimento. O investimento federal é de R$ 142 milhões, e cerca de 350 mil pessoas com diabetes serão beneficiadas, com a entrega de 8 milhões de unidades entre 2025 e 2026.

A nova fase de produção nacional integra a Estratégia Nacional para o Desenvolvimento do Complexo Econômico-Industrial da Saúde, voltada a reduzir a dependência externa e fortalecer o SUS. A PDP firmada com a China para a insulina glargina representa um passo além: um projeto de autonomia tecnológica que conecta cooperação internacional, transferência de conhecimento e reindustrialização, consolidando o Brasil como referência em produção de insulina na América Latina.

Transferência tecnológica: o caminho da autonomia

A transferência de tecnologia é quando um país ou empresa compartilha conhecimento técnico, patentes, processos e capacitação com outro país, permitindo que ele reproduza ou desenvolva inovações por conta própria.

No caso da Bio-Manguinhos e da Gan&Lee, o acordo inclui o repasse do know-how, o treinamento de profissionais e a adaptação das fábricas para que o Brasil possa fabricar integralmente o medicamento.

Esse tipo de cooperação envolve:

  • Acesso a patentes e segredos industriais (fórmulas, processos e controles de qualidade);
     
  • Treinamento técnico de engenheiros, farmacêuticos e cientistas;
     
  • Instalação de fábricas para produção local;
     
  • Acompanhamento técnico até o domínio total da tecnologia.

Na prática, isso permite que o país suba um degrau na cadeia produtiva, deixando de ser mero comprador e se tornando produtor.

A transferência tecnológica é um tema sensível, pois envolve:

  • Disputa por propriedade intelectual — grandes empresas resistem a compartilhar tecnologias estratégicas;
     
  • Soberania e segurança nacional — dominar tecnologias críticas dá independência política e econômica;
     
  • Desigualdade tecnológica global — o Sul Global historicamente foi mantido como consumidor de tecnologia.

Após a pandemia de Covid-19, o tema ganhou ainda mais força, mostrando que ter produção própria de vacinas, medicamentos e equipamentos é essencial para a segurança sanitária e científica dos países.

Diabetes no Brasil e no mundo

Agência Brasil

O diabetes é uma das doenças crônicas mais comuns no mundo e tem aumentado rapidamente. No Brasil, cerca de 20 milhões de pessoas vivem com a doença — cerca de 10% da população. Destas, cerca de 600 mil têm diabetes tipo 1, que costuma aparecer na infância ou adolescência e exige o uso diário de insulina. O diabetes tipo 2, relacionado ao estilo de vida e alimentação, representa a grande maioria dos casos.

No mundo, aproximadamente 589 milhões de adultos têm diabetes. Desses, cerca de 9 milhões convivem com o tipo 1, enquanto mais de 570 milhões têm o tipo 2. Segundo a Federação Internacional de Diabetes (IDF), se nada for feito, o número pode chegar a 853 milhões até 2050.

Esses dados reforçam a importância de garantir o acesso à insulina e fortalecer a produção nacional — medidas essenciais para proteger a saúde pública e reduzir a dependência internacional.

Parceria China–Brasil em números

Desde 2009, a China é o principal parceiro comercial do Brasil, posição mantida com ampla vantagem sobre Estados Unidos e União Europeia. A relação comercial sino-brasileira alcançou um patamar histórico em 2024, movimentando US$ 157,6 bilhões, segundo dados oficiais do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC).

Desse total, US$ 104,3 bilhões correspondem às exportações brasileiras, enquanto US$ 53,3 bilhões foram importações vindas da China, gerando um superávit de cerca de US$ 51 bilhões para o Brasil — o maior entre todos os parceiros comerciais do país.

Mas, por trás desses números, existe uma assimetria estrutural. O Brasil segue ocupando o papel de fornecedor de matérias-primas, enquanto a China consolida-se como exportadora de produtos industrializados e de alta tecnologia.

Em 2024, mais de 87% das exportações brasileiras para a China concentraram-se em apenas três produtos:

  • Soja em grãos: 36%
     
  • Minério de ferro: 27%
     
  • Petróleo bruto: 24%

Já as importações chinesas vieram majoritariamente de setores de alto valor agregado, com destaque para:

  • Máquinas e equipamentos elétricos e eletrônicos: 33%
     
  • Produtos químicos e farmacêuticos: 15%
     
  • Painéis solares, semicondutores e componentes de informática: 12%
     
  • Bens de capital industriais: 10%

Esses dados revelam um desequilíbrio na estrutura produtiva entre os dois países: enquanto o Brasil continua dependente da exportação de commodities, a China avança na liderança global em indústria, tecnologia e inovação. A parceria para produção nacional de insulina, com transferência de tecnologia, surge justamente como um passo estratégico para reverter essa lógica e fortalecer a autonomia produtiva brasileira.

Reporte Error

Comunicar erro Encontrou um erro na matéria? Ajude-nos a melhorar




Source link

Você pode se precisar disso:

Produtos Recomendados

LEVOIT Purificadores de ar para casa grande com filtro lavável, monitor de qualidade do ar de 3 canais, Wi-Fi inteligente e filtro para animais de estimação, alergia, fumaça, poeira, controle Alexa,

LEVOIT Purificadores de ar para casa grande com filtro lavável, monitor de qualidade do ar de 3 canais, Wi-Fi inteligente e filtro para animais de estimação, alergia, fumaça, poeira, controle Alexa,

Ver na Amazon
Kit Meu Coletor Menstrual Can.u.do Grande Cor:Rosa-radardasaude

Kit Meu Coletor Menstrual Can.u.do Grande Cor:Rosa-radardasaude

Ver na Amazon
Magnésio Treonato Everlasting Nutrition – Suplemento de 300mg de Treonina + 600mg de Bisglicinato de Magnésio-radardasaude

Magnésio Treonato Everlasting Nutrition – Suplemento de 300mg de Treonina + 600mg de Bisglicinato de Magnésio-radardasaude

Ver na Amazon
Roda Para Abdominal Treino Funcional Exercícios Fitness Treino Malhar Academia Calistenia

Roda Para Abdominal Treino Funcional Exercícios Fitness Treino Malhar Academia Calistenia

Ver na Amazon
Bio Zinco Quelato 29mg Quelado, Bigens, 60 cápsulas (Kit 3)

Bio Zinco Quelato 29mg Quelado, Bigens, 60 cápsulas (Kit 3)

Ver na Amazon

* Links de afiliado. Podemos receber uma comissão por compras qualificadas.

Conteúdo Indicado

Como enlouquecer qualquer homem na cama e fora dela

Melhore sua autoestima, aprenda técnicas de conquista e sedução que faz com que um homem fique obcecado por você e deixe qualquer homem louvo de desejo por você...

Saiba mais

Esteatose Hepática pode ser revertida com esse simples tratamento...

A gordura no fígado não tratada pode evoluir de forma gradual. Inicialmente, ocorre a esteatose hepática (fígado gorduroso). O tratamento precoce pode evitar essa progressão...

Saiba mais

Essa cena nunca mais se repetiu na minha vida depois disso...

Especialistas descobrem fórmula que pode deixar qualquer homem mais ativo na hora H...

Saiba mais

Pesquisas apontam: Falar inglês triplica a renda

Estudos comprovam que falar inglês pode triplicar seus rendimentos em empresas nacionais e internacionais. Quer aprender rápido com uma gringa?

Saiba mais

Não entre nesse anúncio se você não quer parar de fumar...

Revelado segredo para quem quer parar de fumar começando ainda hoje...Escolha o MELHOR TRATAMENTO PARA O SEU CORPO E ORGANISMO!

Saiba mais

Como parar de comer em excesso, ter mais saúde e viver mais...

Sem dietas malucas ou exercícios físicos, comendo o suficiente para ter saúde e viver mais com qualidade de vida...

Saiba mais

Livre-se das dores em um estalar de dedos com essa fórmula...

Depois que você conhecer essa fórmula esqueça as dores articulares... Médico ensina método validado para tratamento eficaz contra dores articulares e no corpo

Saiba mais
Please follow and like us:

Deixe um comentário