Desde 2009, a China é o principal parceiro comercial do Brasil, mas essa liderança nem sempre significa equilíbrio. O Brasil ainda exporta, principalmente, matérias-primas e produtos agrícolas, enquanto importa da China máquinas, equipamentos e tecnologias de ponta. Em outras palavras, o país vende produtos simples e compra itens sofisticados — o que mantém uma dependência econômica e tecnológica.
Esse cenário, porém, começa a mudar. Um bom exemplo é a parceria entre Bio-Manguinhos/Fiocruz, a Biomm e a farmacêutica chinesa Gan&Lee para produzir insulina nacional com transferência de tecnologia. Isso significa que o Brasil não vai apenas fabricar o medicamento, mas também aprender a dominar toda a tecnologia de produção, fortalecendo sua autonomia científica e industrial.
O cientista político Diego Pautasso, em entrevista exclusiva à coluna China em Foco, vê esse tipo de cooperação como um passo importante para o futuro das relações entre os dois países.
“Isso revela o potencial das relações sino-brasileiras, mas também o imperativo de que o Brasil formule um projeto nacional para extrair as melhores oportunidades. Ou seja, ao invés de se contentar com superávits comerciais com a China ou de aderir acriticamente à integração passiva às cadeias de valor — sob a lógica neoliberal —, precisamos formular um lugar-chave para a China em nosso desenvolvimento.”
Professor da UFRGS e da PUC Minas, Pautasso é pós-doutor em Estudos Estratégicos Internacionais e cofundador do projeto Fios da China. Para ele, o desafio do Brasil não é se afastar da China, mas redefinir seu papel nessa relação, deixando de ser apenas exportador de commodities para se tornar produtor de conhecimento e inovação.
Nas redes sociais, Pautasso compartilhou um fio que abordou em mais detalhes essa parceria sino-brasileira que consolida uma das aspirações do Brasil, por transferência tecnológica. Confira:
Parceria para produção de insulina nacional
A parceria entre Brasil e China para fabricar insulina glargina, usada no tratamento de diabetes tipo 1 e tipo 2, é resultado direto da visita do presidente Lula à potência asiática, em maio deste ano. Durante a viagem, foram assinados diversos acordos bilaterais nas áreas de saúde, tecnologia e inovação, com destaque para a cooperação com a farmacêutica Gan&Lee, que se comprometeu a transferir tecnologia e entregar 20 milhões de frascos de insulina ainda neste ano.
O acordo envolve o Ministério da Saúde, a Fiocruz (Bio-Manguinhos), a empresa brasileira Biomm e a Gan&Lee. Inicialmente, o medicamento será embalado no Brasil, na fábrica da Biomm em Nova Lima (MG) — inaugurada em 2024 por Lula, marcando a retomada da produção nacional de insulina após mais de 20 anos.
Com o avanço da parceria, a tecnologia de produção será transferida para a Bio-Manguinhos/Fiocruz, tornando o produto 100% nacional. O Insumo Farmacêutico Ativo (IFA) será produzido na futura planta da Fiocruz em Eusébio (CE), a primeira fábrica de insulina da América Latina, construída com recursos do Novo PAC. O investimento total é de R$ 930 milhões, e a meta é alcançar 70 milhões de unidades por ano dentro de uma década.
O impacto dessa política já começou a aparecer. No dia 11 de julho, o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, recebeu, na fábrica da Biomm, o primeiro lote de insulinas nacionais produzidas por meio das Parcerias para o Desenvolvimento Produtivo (PDP) — modelo que une o setor público e o privado para fortalecer o Complexo Econômico-Industrial da Saúde.
Foram entregues 207 mil unidades de insulina humana, entre os tipos regular e NPH, que serão distribuídas pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
A insulina NPH (Neutral Protamine Hagedorn) é uma insulina de ação intermediária, ou seja, começa a agir algumas horas após a aplicação e mantém o controle da glicose por até 12 horas. É indicada para pessoas com diabetes tipo 1 e tipo 2 e costuma ser aplicada uma ou duas vezes ao dia para manter os níveis de açúcar no sangue estáveis entre as refeições. Já a insulina regular é de ação rápida, usada principalmente antes das refeições para controlar os picos de glicose.
Esses dois tipos são essenciais no tratamento do diabetes e fazem parte da lista de medicamentos gratuitos oferecidos pelo SUS.
Com a transferência tecnológica, o país deve passar a produzir 50% da demanda nacional de insulina NPH e regular, cerca de 45 milhões de doses anuais, garantindo autonomia e segurança no abastecimento. O investimento federal é de R$ 142 milhões, e cerca de 350 mil pessoas com diabetes serão beneficiadas, com a entrega de 8 milhões de unidades entre 2025 e 2026.
A nova fase de produção nacional integra a Estratégia Nacional para o Desenvolvimento do Complexo Econômico-Industrial da Saúde, voltada a reduzir a dependência externa e fortalecer o SUS. A PDP firmada com a China para a insulina glargina representa um passo além: um projeto de autonomia tecnológica que conecta cooperação internacional, transferência de conhecimento e reindustrialização, consolidando o Brasil como referência em produção de insulina na América Latina.
Transferência tecnológica: o caminho da autonomia
A transferência de tecnologia é quando um país ou empresa compartilha conhecimento técnico, patentes, processos e capacitação com outro país, permitindo que ele reproduza ou desenvolva inovações por conta própria.
No caso da Bio-Manguinhos e da Gan&Lee, o acordo inclui o repasse do know-how, o treinamento de profissionais e a adaptação das fábricas para que o Brasil possa fabricar integralmente o medicamento.
Esse tipo de cooperação envolve:
- Acesso a patentes e segredos industriais (fórmulas, processos e controles de qualidade);
- Treinamento técnico de engenheiros, farmacêuticos e cientistas;
- Instalação de fábricas para produção local;
- Acompanhamento técnico até o domínio total da tecnologia.
Na prática, isso permite que o país suba um degrau na cadeia produtiva, deixando de ser mero comprador e se tornando produtor.
A transferência tecnológica é um tema sensível, pois envolve:
- Disputa por propriedade intelectual — grandes empresas resistem a compartilhar tecnologias estratégicas;
- Soberania e segurança nacional — dominar tecnologias críticas dá independência política e econômica;
- Desigualdade tecnológica global — o Sul Global historicamente foi mantido como consumidor de tecnologia.
Após a pandemia de Covid-19, o tema ganhou ainda mais força, mostrando que ter produção própria de vacinas, medicamentos e equipamentos é essencial para a segurança sanitária e científica dos países.
Diabetes no Brasil e no mundo
O diabetes é uma das doenças crônicas mais comuns no mundo e tem aumentado rapidamente. No Brasil, cerca de 20 milhões de pessoas vivem com a doença — cerca de 10% da população. Destas, cerca de 600 mil têm diabetes tipo 1, que costuma aparecer na infância ou adolescência e exige o uso diário de insulina. O diabetes tipo 2, relacionado ao estilo de vida e alimentação, representa a grande maioria dos casos.
No mundo, aproximadamente 589 milhões de adultos têm diabetes. Desses, cerca de 9 milhões convivem com o tipo 1, enquanto mais de 570 milhões têm o tipo 2. Segundo a Federação Internacional de Diabetes (IDF), se nada for feito, o número pode chegar a 853 milhões até 2050.
Esses dados reforçam a importância de garantir o acesso à insulina e fortalecer a produção nacional — medidas essenciais para proteger a saúde pública e reduzir a dependência internacional.
Parceria China–Brasil em números
Desde 2009, a China é o principal parceiro comercial do Brasil, posição mantida com ampla vantagem sobre Estados Unidos e União Europeia. A relação comercial sino-brasileira alcançou um patamar histórico em 2024, movimentando US$ 157,6 bilhões, segundo dados oficiais do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC).
Desse total, US$ 104,3 bilhões correspondem às exportações brasileiras, enquanto US$ 53,3 bilhões foram importações vindas da China, gerando um superávit de cerca de US$ 51 bilhões para o Brasil — o maior entre todos os parceiros comerciais do país.
Mas, por trás desses números, existe uma assimetria estrutural. O Brasil segue ocupando o papel de fornecedor de matérias-primas, enquanto a China consolida-se como exportadora de produtos industrializados e de alta tecnologia.
Em 2024, mais de 87% das exportações brasileiras para a China concentraram-se em apenas três produtos:
- Soja em grãos: 36%
- Minério de ferro: 27%
- Petróleo bruto: 24%
Já as importações chinesas vieram majoritariamente de setores de alto valor agregado, com destaque para:
- Máquinas e equipamentos elétricos e eletrônicos: 33%
- Produtos químicos e farmacêuticos: 15%
- Painéis solares, semicondutores e componentes de informática: 12%
- Bens de capital industriais: 10%
Esses dados revelam um desequilíbrio na estrutura produtiva entre os dois países: enquanto o Brasil continua dependente da exportação de commodities, a China avança na liderança global em indústria, tecnologia e inovação. A parceria para produção nacional de insulina, com transferência de tecnologia, surge justamente como um passo estratégico para reverter essa lógica e fortalecer a autonomia produtiva brasileira.
Comunicar erro Encontrou um erro na matéria? Ajude-nos a melhorar
Você pode se precisar disso:
Produtos Recomendados

LEVOIT Purificadores de ar para casa grande com filtro lavável, monitor de qualidade do ar de 3 canais, Wi-Fi inteligente e filtro para animais de estimação, alergia, fumaça, poeira, controle Alexa,
Ver na Amazon
Magnésio Treonato Everlasting Nutrition – Suplemento de 300mg de Treonina + 600mg de Bisglicinato de Magnésio-radardasaude
Ver na Amazon
Roda Para Abdominal Treino Funcional Exercícios Fitness Treino Malhar Academia Calistenia
Ver na Amazon* Links de afiliado. Podemos receber uma comissão por compras qualificadas.
Conteúdo Indicado