

As lições dos agentes comunitários de saúde do Brasil para a Inglaterra
por Alessandro Jatobá, Matthew Harris e Connie Junghans-Minton
A longa experiência do Brasil com a atenção primária baseada na comunidade está agora influenciando a forma como os serviços de saúde são prestados na Inglaterra. Em um raro exemplo de transferência de conhecimento Sul-Norte, o programa Community Health and Wellbeing Worker (CHWW) da Inglaterra adaptou o modelo dos agentes comunitários de saúde (ACS) do Brasil para ajudar a enfrentar desafios importantes na prevenção, equidade e acesso dentro do Serviço Nacional de Saúde (NHS) do Reino Unido. Essa colaboração entre Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e Imperial College London coloca os ACS no centro do atendimento a famílias e bairros muitas vezes mal atendidos pelos sistemas de saúde.
O programa CHWW foi testado em áreas de Westminster, sul de Londres e Cornualha. Os primeiros resultados foram promissores: a aceitação da vacinação aumentou 47%, o rastreamento do câncer e os exames de saúde aumentaram 82% e houve uma redução de 7,4% nas consultas médicas não agendadas. Os CHWWs realizam visitas domiciliares mensais e ajudam as pessoas a navegar nos serviços sociais e de saúde. Na Inglaterra, serviços como saúde, moradia, emprego e assistência social são administrados separadamente, tornando difícil para muitos residentes em situações vulneráveis acessá-los. Ao atuar como elos confiáveis entre comunidades e serviços, os CHWWs estão ajudando a preencher essas lacunas, fornecendo suporte personalizado que gera confiança, continuidade e melhor acesso aos cuidados básicos.
Essa experiência mostra como as inovações em saúde pública do Brasil podem ser adaptadas com sucesso a países de alta renda, oferecendo lições valiosas para a equidade em saúde e a integração do sistema. No entanto, apesar dos resultados iniciais positivos, o programa CHWW na Inglaterra ainda enfrenta desafios para a sustentabilidade a longo prazo. Não há reconhecimento nacional formal dos CHWWs na força de trabalho do NHS, a governança permanece dividida entre diferentes instituições e o financiamento geralmente é de curto prazo e baseado em projetos. Sem um apoio mais estruturado e recursos estáveis, existe o risco de que esse papel inovador permaneça apenas um projeto-piloto, em vez de se tornar uma parte permanente da atenção primária.
A sustentabilidade da ação depende do estabelecimento de diretrizes para os ACSs, do recrutamento de trabalhadores das comunidades locais para garantir a compreensão e a confiança cultural, da criação de mecanismos de financiamento vinculados às necessidades sociais e aos níveis de privação, da integração dos ACSs às equipes de saúde como conectores essenciais e da manutenção da identidade voltada para a comunidade que tornou essa abordagem tão eficaz no Brasil.
Duas visitas de intercâmbio foram realizadas esse ano. Em março, a comitiva brasileira, incluindo um ACS, visitaram o Imperial College London e unidades de saúde em Londres, trocando experiências com ACS e equipes de atenção primária. Recentemente, em setembro, tivemos a visita da comitiva inglesa ao Brasil, dessa vez trazendo três CHWW britânicos para mais uma rica troca de experiências, que envolveu visitas a unidades básicas de saúde e reuniões com esquipes de saúde da família no Rio de Janeiro, Duque de Caxias e Camaragibe, em Pernambuco.
Essa parceria destaca a força e a relevância global das instituições de saúde pública do Brasil e a liderança da Fiocruz no compartilhamento de conhecimento em todo o mundo. O programa CHWW é a prova de que as inovações do sistema de saúde podem fluir em ambas as direções e que a colaboração entre os países pode ajudar a construir sistemas de saúde mais fortes e equitativos para todos.
Alessandro Jatobá, pesquisador do projeto ResiliSUS/CEE-Fiocruz e coordenador adjunto do Centro; Matthew Harris, Imperial College London; Connie Junghans-Minton, Imperial College London
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