“Não podemos deixar ninguém para trás na resposta ao HIV”, afirma Dr. Estevão Portela, diretor do INI-radardasaude

Joabe Antonio de Oliveira

07/09/2025

 

Quase 44 anos após a identificação dos primeiros casos de aids no mundo, a resposta ao HIV continua exigindo mobilização global. O Brasil, que construiu uma política de acesso universal ao tratamento reconhecida internacionalmente, ainda enfrenta obstáculos para ampliar a prevenção, garantir acolhimento sem preconceito e vencer o estigma e a discriminação. Para o infectologista Estevão Portela, recém-empossado diretor do Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas (INI/Fiocruz), o avanço científico precisa caminhar lado a lado com o compromisso político e a atuação dos movimentos sociais. Só assim será possível assegurar que ninguém fique para trás e manter viva a esperança da cura.

Em entrevista à Agência Aids, durante o HIV Leaders, no Rio de Janeiro, ele falou sobre os desafios do acesso às novas tecnologias, os gargalos no sistema de saúde, a esperança da cura e a urgência de fortalecer políticas públicas e financiamento global. Confira.

Agência Aids: O senhor trouxe para o HIV Leaders algumas considerações interessantes, mostrando a atuação de medicamentos e o questionamento é como fazer com que esses medicamentos sejam acessíveis às populações mais vulneráveis e que isso aconteça, ou seja, que a prevenção aconteça antes que o HIV chegue até essas populações. Como é que a gente resolve essa equação, doutor?

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Dr. Estevão Portela: Olá. Então, esse tipo de encontro é bastante importante porque nós temos a oportunidade de discutir, de trocar experiências, de compreender o caminho que trilhamos até agora, de compreender como que a gente chegou ao nosso momento atual e de pensar no que a gente precisa daqui pra frente. Porque parece simples pensar nesse momento que a gente chegou, mas ele custou bastante trabalho, bastante empenho, a ciência foi muito importante, o trabalho dos movimentos sociais foi muito importante, tudo isso contribuiu no governo, todo mundo atuando junto para que a gente chegasse a esse modelo bem mais simplificado de tratamento que a gente tem hoje em dia.

Um modelo que é simples, um modelo que é bem tolerado de uma maneira geral e que serve a maior parte das pessoas que vêm com HIV. Mas é claro que nós temos um trabalho que precisa ir adiante. A gente tem um caminho ainda para evoluir porque a gente não pode deixar ninguém para trás.

É preciso que novas tecnologias venham para auxiliar pessoas que ainda não conseguem se colocar, se posicionar dentro desse modelo, por exemplo, de uma pílula única de área. Então, nesse sentido, a chegada dos agentes de longa ação, dos longa-acting drugs, é um acréscimo muito importante no nosso nacional, uma evolução muito importante porque, justamente, vem a cobrir essa área de pessoas que não conseguem ficar num esquema de pílula única de área, por diversos motivos. É preciso entender também que o HIV, ele traz uma complexidade à parte em relação à tolerabilidade, em relação à segurança, que é a questão do próprio diagnóstico.

Tem muita gente que se sente… O fato de tomar uma pílula única de área é a lembrança de um diagnóstico, um diagnóstico que, às vezes, foi transmitido ou foi recebido de uma forma que encaixa-se num estigma, encaixa-se… Isso melhorou muito, melhorou muito, consideravelmente, mas que ainda é preciso lutar contra isso. Então, o longa-acting tem essa tarefa importante. Agora, a gente precisa entender quais são as populações que mais se beneficiam desse tipo de estratégia de tratamento.

A gente precisa entender como fazer com que essa estratégia chegue na população, como fazer com que chegue justamente às pessoas que mais precisam, e isso precisa ser um trabalho conjunto, um trabalho em que todo mundo lute para ganhar, para conquistar esse espaço. Seja as empresas que fabricam a medicação, seja o governo, seja os movimentos sociais e seja os médicos e pesquisadores. Então, esse é o trabalho que a gente tem que fazer, a gente está fazendo estudos de implementação atualmente dessas medicações e também como prevenção, como você bem citou, não só como tratamento, mas como prevenção, esses longa-actings representam um avanço que pode ser extraordinário, já que você garante com mais clareza e com mais facilidade a adesão ao tratamento, mas também tem seus desafios.

E esses desafios são o melhor compreendido nos estudos de implementação. Ali a gente entende onde estão os gargalos, onde estão as dificuldades, o que a gente precisa para vencer esses obstáculos. Então, esses aspectos são muito importantes, ou seja, o fato da medicação existir é um primeiro passo, mas como fazer com que essa medicação chegue a quem mais precisa é um passo muito importante que também exige estudo, que também exige ciência e que também exige trabalho de médicos, pesquisadores, movimentos sociais, governos e das empresas.

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Agência Aids: Qual seria o nosso maior desafio? Os três maiores desafios?

Dr. Estevão Portela: Então, evidentemente, estruturação de serviços de saúde. Quando você está lidando com longa-acting, você está lidando com a medicação que é administrada, uma medicação que tem que ser condicionada de alguma certa forma, que tem que buscar as pessoas que mais necessitarem. Às vezes, essas pessoas não têm acesso fácil ao serviço de saúde, então é preciso contactar essas pessoas de alguma forma. Então, esse é um aspecto que, de fato, é bastante importante. Um outro aspecto, evidentemente, é o custo.

Uma medicação, uma nova tecnologia, em geral, envolve um custo mais elevado. E esse custo mais elevado, esse custo precisa ser levado em conta, porque a gente tem um modelo que se pretende universal, que a gente quer que favoreçam todas as pessoas em risco ou que vivem com HIV. Então, é preciso entender aonde que esse custo pode ser otimizado para chegar nas pessoas que mais precisam e, também, todos os esforços devem ser feitos para entender o quanto que a gente consegue baixar esse custo.

O custo aqui não é só a medicação, o custo é o serviço de saúde, o custo é a implementação dessas medicações junto às populações. Então, tudo isso tem que ser pensado de uma forma estratégica para que a gente possa atravessar esse momento e, realmente, conseguir usufruir de todas as vantagens dessas novas tecnologias.

Agencia Aids: E quando nós falamos de cura, o que o senhor tem para dizer para nós? O Dr. Ricardo Diaz, da Unifesp, fez uma fala bastante interessante, nos trazendo esperança, não é?

Dr. Estevão Portela: A primeira coisa importante é o seguinte: a luta continua. Continua-se lutando muito para chegar à cura do HIV. Agora, realmente, não é fácil. Porque a gente, às vezes, fica com a impressão de que como é uma doença que já se controla com medicação, há uma perda de vontade de buscar a cura. E isso, de fato, não é verdade.

Tanto o HIV, como a hepatite B, como outras infecções crônicas, a gente busca sempre a cura. A gente entende a importância da cura. Mas essas viroses têm desafios muito específicos.

Mais do que a hepatite C, por exemplo, que é um vírus diferente, que é um vírus que, de fato, se você consegue suprimir a replicação por um tempo, você consegue a eliminação viral. O HIV não se comporta dessa forma. Porque tem fenômenos de integração e latência.

Então, ele pode ficar em períodos de latência, vamos dizer assim, no organismo durante muito tempo. Ele pode se esconder em internados, santuários, reservatórios, assim como o vírus da hepatite B. Então, há desafios que são muito importantes. Mesmo assim, a gente tem provas de conceito.

A gente tem os diversos casos de cura, principalmente associados a transplante de medula óssea. Então, é possível. Mas é claro que o modelo de transplante de medula óssea não é um modelo factível para a população em geral.

Apenas para quem tem patologias que já indicam o transplante de medula. Mas existem vários estudos. Você citou o estudo do professor Ricardo Dias, que trabalha com células dendríticas.

Temos na Fiocruz… Estamos trabalhando no nosso envolvimento em determinados protocolos de estudo com tecnologias novas também. Temos pesquisadores que estão na frente de grupos que estão estudando a cura do HIV. Então, o desafio… A gente entende a enormidade do desafio.

A gente entende a importância de superar obstáculos. Mas a luta está presente. Nós estamos lutando todo dia e não vamos descansar enquanto a cura não for alcançada.

Agência Aids: A nota que você daria para o mundo quando a gente fala de combate ao HIV, ao estigma, à discriminação, 44 anos depois?

Dr. Estevão Portela: É importante a gente falar não só de uma nota, mas falar do movimento. A gente vinha num movimento muito grande de subida. Algumas décadas atrás, se achava que seria muito difícil que áreas com pouco recurso pudessem arcar com os preços de uma terapia antirretroviral, pudessem arcar com os preços de um tratamento.

E isso mudou completamente. A maior parte dos países africanos, ou grande parte dos países africanos já conseguiram atingir metas de tratamento comparáveis a países de maior recurso. Mas isso foi graças a um grande investimento global em que esse investimento global tem sido… principalmente em consequências de determinadas conjunturas da política internacional.

E com isso os recursos diminuíram drasticamente. A possibilidade de recursos diminuiu drasticamente. Então isso pode abalar vários programas de HIV em vários lugares do mundo.

Então é muito importante que a gente lute para que esses recursos voltem, para que esse investimento volte, para que a gente entenda que a saúde de determinadas áreas do planeta ou qualquer área do planeta vai afetar a saúde de nós todos.

Agência Aids: De zero a dez, qual é a nota?

Dr. Estevão Portela: Eu dou seis para ser otimista, mas a gente está caindo. É preciso deter essa queda e voltar a crescer.

Redação da Agência de Notícias da Aids

Dica de entrevista

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Tel.: (21) 3865-9595


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