Leia artigo do Acadêmico Renato Cordeiro – professor emérito da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), ex vice-presidente de Pesquisa e Ensino da Fiocruz, diretor do Instituto Oswaldo Cruz, pesquisador 1-A e Senior do CNPq e membro da Diretoria e do Conselho da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) – para The Conversation, publicado em 22 de setembro:

O mundo observa com grande preocupação os acontecimentos recentes na área da saúde pública nos Estados Unidos. A nomeação de Robert F. Kennedy Jr. para um cargo de alta relevância, como o de Secretário de Saúde (Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos Estados Unidos), e suas ações subsequentes têm causado indignação e alarme na comunidade científica global.

A principal crítica à sua gestão e à do governo americano está centrada no negacionismo científico e no desmonte de agências essenciais para a saúde no país. Os Centros para Controle e Prevenção de Doenças (CDC) e o National Institutes of Health (NIH), duas das mais respeitadas instituições de pesquisa e saúde do mundo, estão sob ataque direto. Há relatos de demissões em massa de cientistas e pesquisadores de grande experiência, além de esforços que descredibilizam o trabalho dessas agências, prejudicando sua capacidade de monitorar e responder a novas ameaças sanitárias.

A postura de Robert F. Kennedy Jr. em relação às vacinas é alarmante. Ele é conhecido por promover, de maneira equivocada e desonesta, a ideia de que a imunização está ligada ao autismo — uma teoria refutada há muito tempo por dezenas de estudos científicos internacionais e por todas as grandes organizações de saúde do mundo. Kennedy relativiza a importância das vacinas no combate à COVID-19 e coloca em dúvida dados oficiais, alegando não ter certeza de que a doença tenha, de fato, causado mais de 1 milhão de mortes nos Estados Unidos. O contínuo discurso antivacina vindo de uma figura tão influente pode ter consequências devastadoras, minando a confiança da população na imunização e potencialmente levando ao ressurgimento de doenças que já estavam controladas.

Além disso, o desmonte do CDC e do NIH pelo governo americano, não afeta apenas os Estados Unidos. Essas agências desempenham um papel crucial na vigilância epidemiológica global, no desenvolvimento de novas tecnologias e no combate a pandemias, além de colaborarem intensamente com outras agências em inúmeros países. Um ataque a essas instituições representa um ataque à saúde pública mundial. A ciência precisa ser protegida de agendas políticas. É essencial que a sociedade e os governos se unam para combater a desinformação e garantir que as decisões de saúde sejam pautadas por evidências científicas sólidas.

No Brasil, instituições centenárias são modelo de sucesso

Em vez de desmantelar a robusta estrutura científica e de saúde dos Estados Unidos, o Secretário de Saúde deveria se inspirar em modelos de sucesso, como o trabalho de Oswaldo Cruz no Brasil. Seu pioneirismo foi central para o avanço da saúde pública no país. Mais do que tratar a população, ele focou na eliminação das fontes de contágio, usando uma abordagem científica e sistemática que marcou uma transformação no cenário sanitário brasileiro.

Em 1900, Oswaldo Cruz assumiu a direção do Instituto Soroterápico Federal, que mais tarde se tornaria o Instituto Oswaldo Cruz (Fiocruz). Seu primeiro grande desafio foi enfrentar a peste bubônica, que assustava a população e prejudicava o comércio no porto de Santos. Ele implementou medidas de controle de roedores e saneamento, além de produzir soros e vacinas contra a doença — um passo essencial para conter a epidemia.

campanha de erradicação da febre amarela no Rio de Janeiro foi o auge de sua atuação. A doença, transmitida pelo mosquito Aedes aegypti, era devastadora, e sua abordagem consistiu em montar brigadas sanitárias para eliminar os focos do inseto. Apesar da forte resistência e conflitos com a população, como a Revolta da Vacina em 1904, suas medidas contribuíram para o controle da febre amarela e transformaram o Rio de Janeiro em termos sanitários.

O legado de Oswaldo Cruz transcende suas campanhas epidemiológicas. O Instituto que leva seu nome tornou-se um dos maiores centros de pesquisa em saúde do mundo, desempenhando um papel fundamental na produção de ciência , formação de recursos humanos de excelência , de vacinas e no avanço do conhecimento em saúde pública.

A Fiocruz, por meio de seu Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos (Bio-Manguinhos), é crucial para o Sistema Único de Saúde (SUS). Suas vacinas incluem: vacina de COVID-19 (recombinante), vacina contra febre amarela, Meningocócica ACWY (conjugada), Pneumocócica 10-valente, Poliomielite (oral e inativada), Rotavírus humano, Sarampo e rubéola (atenuada), além de combinações como tríplice viral, tetravalente viral e DTP Hib Polio HepB, que protegem contra diversas doenças como difteria, coqueluche, poliomielite e hepatite B. A instituição foi ainda selecionada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como centro de desenvolvimento de vacinas de RNA mensageiro para a América Latina.

Papel estratégico no SUS

O Instituto Butantan, por sua vez, também possui um papel estratégico no SUS. Produz vacinas fundamentais, como: Influenza trivalente, Raiva (inativada), Hepatite A e B (adsorvidas), Tríplice bacteriana (DTP), HPV quadrivalente, DTaP (contra difteria, tétano e coqueluche) e RSV (Vírus Sincicial Respiratorio). Entre as vacinas em desenvolvimento no instituto estão a vacina contra dengue, Influenza aviária H7N9 e H5N8, ⁠Influenza sazonal tetravalente, Chikungunya, novos adjuvantes imunobiológicos e ⁠células CAR-T.

A pandemia de COVID-19 foi um dos maiores desafios do século para a saúde pública, e a atuação das duas centenárias instituições, Fiocruz (com 125 anos) e Butantan (com 124 anos) foi decisiva para salvar milhares de vidas. Ambas as instituições demonstraram agilidade ao firmar parcerias internacionais — a Fiocruz com a Universidade de Oxford e a AstraZeneca, e o Butantan com a Sinovac — para garantir vacinas ao Brasil.

Contra o pano de fundo da desinformação e negacionismo do governo anterior, essas instituições se tornaram baluartes da ciência, cumprindo um papel estratégico para o SUS e para a proteção da população.

Para que este trabalho continue, é fundamental o apoio robusto do governo federal e do governo paulista, via investimentos em ciência, tecnologia e inovação, saúde, educação, agricultura (via Embrapa), e fundos para suas agências, como CNPq, Finep, Capes e Fapesp .

A ciência e a educação são as melhores barreiras contra o negacionismo e a mediocridade. Ao investir em pesquisa, formação de profissionais qualificados e inovação tecnológica, o Brasil se blinda contra discursos que descredibilizam o conhecimento científico e constrói um futuro mais seguro e saudável para todos.

Acesse o artigo original no site de The Conversation


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