‘Processo vai na contramão da COP30’, diz pesquisador sobre privatização da Copasa em Minas Gerais-radardasaude

A articulação do governo Romeu Zema (Novo) para privatizar a Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa) “silencia a população mineira”, compromete direitos fundamentais e ameaça a universalização do saneamento no estado, segundo o pesquisador Leo Heller, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) do estado.

Em entrevista ao Conexão BdF, da Rádio Brasil de Fato, ele criticou o movimento, que acontece por meio da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 24/2023, que extinguiu o referendo popular, e do Projeto de Lei (PL) 4.308/2025, que permite que a Copasa deixe de ser uma estatal e seja controlada por grupos privados.

Segundo Heller, a retirada do referendo popular atende a um objetivo antigo do governo estadual. “É um movimento que o governo do estado de Minas Gerais está fazendo com o intuito de privatizar a Copasa”, afirma. Ele lembra que a exigência de consulta pública foi criada por iniciativa do ex-governador Itamar Franco, à frente do estado entre 1999 e 2003. “Alguns deputados de oposição chamaram essa proposta de ‘PEC do Cala-Boca’ porque silencia a população mineira na sua visão sobre o que fazer de uma estatal como essa”, conta.

Com a mudança constitucional aprovada na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) no início do mês, o PL também tem avançado e passou na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) nesta segunda-feira (17). O pesquisador explica que a privatização pode ocorrer pela venda de ações ou pela emissão de novos papéis, o que abriria espaço para um novo controlador, como o que ocorreu com a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) e a Companhia Riograndense de Saneamento (Corsan). “Isso traz um conjunto de preocupações”, afirma.

Riscos aos direitos humanos à água e ao saneamento

Heller foi relator da Organização das Nações Unidas (ONU) para os direitos humanos à água potável e ao saneamento entre 2014 e 2020 e elaborou um estudo sobre violações decorrentes da privatização em vários países. Entre os principais riscos observados, ele lista a deterioração da qualidade da água, o aumento de tarifas, a não expansão dos serviços para populações vulneráveis e a concentração de mercado nas mãos de poucas empresas.

“Os serviços de água e de esgoto são monopolizados. Isso traz muitos desafios, inclusive para a regulação desses serviços”, explica. Para ele, a combinação entre monopólio, busca por lucro e desequilíbrio de poder entre grandes empresas e governos locais aumentam as violações.

No caso brasileiro, o pesquisador ressalta que a Lei 14.026/2020, que atualizou o marco legal do saneamento básico, acelerou um processo “inédito, sem precedentes”. “Antes de 2020 [ano do antigo marco], 10% da população brasileira eram atendidos por prestadores privados. Em 2025, esse valor já ultrapassa 50%”, indica.

Ele acrescenta que o setor passou a ser dominado por fundos e investidores financeiros. “Os prestadores são bancos, fundos de investimentos, investidores avulsos… O único objetivo é ampliar seus investimentos, amplificar seus lucros”, diz.

Tarifas mais altas e falta de expansão

Em Minas Gerais, 12% da população não tem água encanada e 15% não têm saneamento básico, segundo o pesquisador. Heller afirma que a privatização tende a dificultar a universalização. “A população que já tem o serviço pode ter suas tarifas aumentadas. A empresa vai buscar ampliar seus lucros. O objetivo deixa de ser social, passa a ser meramente econômico”, aponta.

Sobre a tarifa social, ele alerta que “as empresas têm evitado ampliar o leque de pessoas com acesso a essas tarifas sociais.” Já a expansão do serviço para áreas rurais, pequenas cidades e favelas, onde vivem as populações que mais sofrem com a falta de saneamento, tende a ser despriorizada. “Investir em expandir os sistemas para essas populações, em geral, não tem viabilidade econômica financeira. Daí a importância de ter uma empresa pública com uma visão social”, explica.

Privatização ameaça resposta à crise ambiental

Heller também cita impactos na proteção dos recursos hídricos. Segundo ele, uma mudança na política tarifária já eliminou incentivos para instalação de tratamento de esgoto mesmo quando a empresa era pública, o que se agravaria com a privatização.

“A Copasa privatizada não terá nenhum incentivo para implantar tratamento de esgoto. Implantar tratamento significa zero de aumento de receita”, declara. Ele pontua que isso pode tornar ainda mais lenta a recuperação de rios, córregos e lagos do estado.

Por fim, o pesquisador relaciona a decisão à conjuntura da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP30), realizada em Belém (PA). “Nós estamos em tempos de COP30, em que as questões ambientais ficam em relevo, mas, ao contrário, esse processo de privatização dos serviços no Brasil vai na contramão dos apelos de um evento internacional central como esse”, denuncia.

Para ouvir e assistir

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