Em conversa com a editora de ambiente do The Conversation Brasil,Luciana Julião, durante a COP30, em Belém, a pesquisadora da Fiocruz e especialista em saúde ambiental Sandra Hacon explicou por que a integração entre clima, ambiente e saúde orienta suas pesquisas há duas décadas. Hacon tem formação em Biologia e Ecologia e integra o Painel Científico da Amazônia, a Rede Clima do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação e a Escola Nacional de Saúde Pública. Desde 2005, conduz estudos sobre os impactos das mudanças climáticas na saúde e nos determinantes sociais que ampliam esses efeitos, analisando como desmatamento, alterações ecológicas e desigualdades estruturam a circulação de vírus, vetores e outros agentes biológicos em diferentes territórios. Confira um trecho da conversa:


file 20240827 16 x3zv59.png?ixlib=rb 4.1 uma ligação fundamental que continua fora do centro do debate-radardasaude

“Minha formação é em Biologia e Ecologia. Também faço parte do Painel Científico para a Amazônia, que reúne mais de 320 cientistas, integro a Rede Clima do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação e sou da Escola Nacional de Saúde Pública. Atuo há 25 anos na Fiocruz e trabalho com mudança climática desde 2005, avaliando impactos na saúde e nos determinantes sociais que os agravam, porque sabemos que as desigualdades ampliam os efeitos das mudanças climáticas.

Desde o princípio, quando escrevi meu primeiro artigo científico, venho buscando a integração entre ambiente e saúde, porque não existe bem-estar humano sem um ambiente saudável. O que fazemos na Fiocruz é justamente isso: saúde ambiental. Não consigo ver o planeta sem essa conectividade ecológica que envolve o ser humano. Isoladamente, as disciplinas acadêmicas não explicam os impactos que estamos vivendo.

A saúde ambiental propõe justamente isso: avaliar os efeitos de grandes projetos e também de transformações ambientais em curso. O desmatamento na Amazônia, tema que escuto desde sempre, hoje é compreendido como parte de um processo maior de degradação: alteração do ciclo hidrológico, poluição, perda de biodiversidade, comércio ilegal de minérios.

Por mais que exista protagonismo nas discussões climáticas aqui na COP 30, é a política que prevalece. Mas não podemos ter medo da política e precisamos entender o que está acontecendo no Brasil e no mundo para compreender as mudanças em andamento e o seus rumos. Estão ocorrendo, por exemplo, debates paralelos à conservação da Amazônia que dizem respeito à floresta no Congo, a segunda maior do planeta.

Do ponto de vista da saúde ambiental, precisamos discutir o papel dessas florestas para formular políticas de promoção da saúde e atuar de forma proativa. O Brasil, historicamente, espera acontecer para depois agir — vimos isso no Rio Grande do Sul, em São Sebastião, em Petrópolis, no Rio de Janeiro e em tantos outros lugares.

A inclusão da saúde no debate sobre mudanças climáticas

A cada desastre ambiental, a pergunta retorna: quantas vezes ainda vamos rever esse cenário para mudar de direção? A saúde continua entrando tarde nessa discussão. Até o quarto relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), órgão científico da ONU criado em 1988, quase não se falava de saúde. Só em 2007 o painel passou a olhar o tema de forma diferente, revelando como insistimos em separar aquilo que nunca esteve separado. Saúde e ambiente sempre estiveram conectados. Os povos da floresta sabem disso, os ribeirinhos sabem disso, quilombolas e indígenas sabem disso. Será que só o homem branco ainda não sabe? E ainda assim nos arrogamos de ter tanto conhecimento; eu diria que sabemos muito pouco.

Eu acompanho as COPs há muitos anos e nunca vi um público como o de Belém: sensível às mudanças climáticas. Isso é bom, porque indica maior consciência, mas não podemos ficar apenas na teoria. A Amazônia abriga a maior diversidade indígena da América Latina e é o bioma com maior quantidade de microorganismos do planeta — e o menos conhecido.

Temos cerca de 48 vírus importantes já identificados, todos amazônicos, mas uma imensidão continua desconhecida. O vírus Oropouche é exemplo: endêmico da região, começou a se expandir após desmatamento intenso perto de Manaus e rapidamente se espalhou pelo Brasil e América Latina.

Os vírus respondem às pressões ambientais — temperatura, umidade, alterações ecológicas — e sofrem mutações até encontrarem condições ideais. A dengue mostra isso: quando a temperatura mínima, antes entre 15 °C e 18 °C, passa a ser 22 °C, cria-se o ambiente perfeito para o Aedes aegypti e para o vírus se multiplicarem mais rápido. Foi assim que chegamos a milhões de casos em um único estado. Hoje a dengue está no mundo inteiro: Alemanha, Estados Unidos, Itália.

E isso vale para outras arboviroses, como chikungunya. Em 12 de novembro, o Brasil tinha a maior taxa de incidência de chikungunya na América Latina, com o maior número de casos no Rio Grande do Sul. Isso está ligado ao desequilíbrio das chuvas, tornados, vendavais que fazem vírus, bactérias e fungos circularem muito mais rápido.

A partir desse diagnóstico e dos avanços biotecnológicos, instituições como a Fiocruz desenvolvem novas plataformas de vacina. Se o vírus se adapta, buscamos identificar o ponto crítico para intervir. Mas não deveríamos atuar apenas depois do dano. A saúde ainda não está preparada para o enfrentamento da crise climática — não por falta de técnica ou profissionais, mas porque o sistema funciona de forma reativa.

As doenças mudam rápido; a saúde não acompanha essa velocidade. Falta capacidade instalada, vigilância integrada, resposta coordenada. Outros países enfrentam o mesmo problema. O desafio é acelerar formação de equipes, fortalecer alertas precoces e aproximar a saúde da modelagem climática. Quando o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) aponta risco, como fez em São Sebastião, os sinais já estavam dados.

O desafio de antecipar e prevenir

A prevenção ainda é fraca no Brasil e na América Latina. A cultura é de agir depois. Mas a crise climática exige mudança de comportamento, ações imediatas, monitoramento e vigilância. Há experiências importantes, como o aplicativo desenvolvido por Márcia Chame, da Fiocruz, que é usado por povos da floresta para registrar animais mortos. Foi assim que se evitou a febre amarela no Paraná, porque primatas não humanos morrem primeiro. Outras doenças não têm esse sinal tão claro, e o monitoramento precisa começar no campo, na aldeia.

Também precisamos de programas específicos para povos indígenas de recém contato. Os sem contato são difíceis de monitorar, mas os de recém contato podem ser acompanhados — e isso deveria ser prioridade para que mutações em curso não atinjam essas populações e, depois, o chamado homem branco. Condições técnicas temos. Sabemos fazer. Falta decisão política e alocação de recursos — que claramente existem, como mostram as emendas parlamentares que só crescem.

O Brasil tem todas as condições de ser protagonista na América Latina: instituições excelentes, pesquisadores qualificados e inúmeras parcerias. Temos como ser proativos, mas estamos em compasso de espera. E há um símbolo disso aqui na própria COP30: as pessoas não fazem a conexão entre clima, ambiente e saúde.

A climatização é insuficiente, o calor e a umidade são altos, e muitos chegam cansados, desidratados. Temperatura e umidade elevadas desorganizam a homeostase, especialmente de quem tem hipertensão, diabetes ou doenças cardiovasculares — é um gatilho que vai da desidratação ao óbito. Vi pessoas com deficiência e idosos passando mal.

Em um evento sobre clima, a saúde não entrou como eixo central, embora devesse. Fizemos um relatório sobre doenças transmissíveis, zoonóticas, surtos, vetores, vírus e clima, mas a saúde segue à margem. A conexão entre clima, ambiente e saúde está diante dos olhos de todos — e ainda assim não é vista. Colocar essa urgência no centro do debate é o que a saúde ambiental tenta fazer.


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